Se um cosmonauta viajasse, a uma velocidade quase igual à da luz, em direção a uma estrela distante 10 anos-luz da Terra e regressasse à mesma velocidade, teria envelhecido apenas três anos, enquanto no planeta haveriam decorrido cerca de vinte. Se durante a viagem espacial conseguisse acelerar ainda mais, ficando bem próximo a fração de 100% da luz, poderia circunavegar todo o Universo e, quando voltasse ao ponto de partida, nada mais encontraria: a Terra e o sistema solar teriam desaparecido para sempre. Em Tau Zero, de Poul Anderson, essa vertiginosa hipótese é levada às últimas con-seqüências. A tripulação da espaçonave Leonora Christine, composta de 50 membros, de diferentes raças, deixa a Terra com destino a uma estrela no sistema de Beta Virginis, onde irão colonizar um planeta. No meio da viagem, a nave choca-se com uma pequena nebulosa. Seu curso é alterado e sua velocidade aumenta cada vez mais, até que os séculos se reduzem a segundos. Enquanto isso, dentro da Leonora Christine, cuja gravidade se mantém constante, o tempo passa com extrema lentidão. Acontece, então, algo espantoso: os ocupantes da nave assistem literalmente ao fim do Universo, que se reduz progressivamente a um monobloco, até um novo Gênesis cósmico. Considerado uma das melhores descrições de espaçonave e de sua viagem interestelar, dentro da ficção científica, Tau Zero, de Poul Anderson – escritor várias vezes laureado com os prêmios Hugo e Nebula – é um romance carregado de emoção e que mantém o leitor em suspense até as últimas páginas.
Tau Zero – Poul Anderson
TAU ZERO
Poul Anderson
Título original: Tau Zero
Tradução: Mário Molina
Capítulo 1
OLHE... ALI... subindo pela Mão de Deus. Não é?
— Sim, acho que sim. Nossa nave.
Foram os últimos a ir embora quando Millesgarden fechou. Perambularam a maior parte daquela tarde entre as esculturas, ele espantado e fascinado pela experiência do primeiro contato com elas, ela dando um adeus sem palavras ao que ocupara em sua vida uma parte maior do que até então imaginara. Tinham sorte com o tempo, o verão se aproximava do fim. Esse dia na Terra fora luminoso, brisas que faziam as sombras da folhagem dançarem nos muros da vila, um límpido som de fontes.
Mas quando o sol caiu, o jardim pareceu tornar-se abruptamente ainda mais vivo. Era como se os delfins estivessem dando cambalhotas por entre suas águas, Pégaso esbravejando para o céu, Folke Filbyter xeretando atrás do neto extraviado enquanto seu cavalo tropeçava no vau, Orfeu ouvindo, as jovens irmãs abraçando-se em sua ressurreição — tudo sem ruído, porque foi percebido num instante singular, embora o tempo em que aquelas formas realmente se moveram não tenha sido menos real que o tempo que transportava homens.
— Como se eles estivessem vivos, prontos a partir com destino às estrelas e nós devêssemos ficar e envelhecer — murmurou Ingrid Lindgren.
Charles Reymont não a ouviu. Achava-se no lajedo, sob uma bétula, cujas folhas farfalhavam e muito timidamente haviam começado a mudar de cor. Reymont olhava para a Leonora Christine. No alto de seu pilar, a Mão de Deus sustentava o Gênio do Homem, erguido em silhueta contra uma penumbra azul-esverdeada. Atrás, a minúscula e rápida estrela atravessou de um lado para outro e mergulhou outra vez.
— Tem certeza que não era um satélite comum? — Lindgren perguntou por entre o silêncio. — Nunca esperei que fôssemos ver...
Reymont ergueu-lhe uma sobrancelha.
— Você é a primeira oficial e não sabe onde está nem o que está fazendo sua própria nave?
O sueco Reymont tinha um sotaque picado, como a maioria das línguas faladas por ele. Isso acentuava o sarcasmo.
— Não sou o oficial de navegação — ela respondeu, defensiva. — Além disso, eu me esforço ao máximo para tirar tudo da cabeça. Você devia fazer o mesmo. Passaremos um bom número de anos nisso.
Ela se inclinou um pouco para Reymont. O tom de sua voz abrandou:
— Por favor. Não estrague esta noite. Reymont encolheu os ombros.
— Desculpe. Não fiz por querer.
Um funcionário se aproximou, parou e falou respeitosamente:
— Sinto muito, mas temos de fechar os portões agora.
— Oh! — Lindgren se sobressaltou, olhou o relógio, inspecionou os patamares. Absolutamente nada havia neles, exceto a vida que Carl Milles talhara em pedra e metal três séculos atrás. — Mas é claro, é claro, já passou bastante da hora de fechar. Eu não tinha percebido.
O funcionário curvou a cabeça.
— Como minha senhora e meu senhor obviamente queriam, deixei-os sozinhos depois que os outros visitantes saíram.
— Você nos conhece, então — disse Lindgren.
— Quem não os conhece?
O olhar do funcionário a admirou. Era alta e bem proporcionada, com feições harmoniosas, olhos azuis muito abertos, cabelos louros cortados logo abaixo das orelhas. Seus trajes civis pareciam mais elegantes do que era habitual numa mulher do espaço; as cores suaves e esplêndidas, os tecidos graciosos do neomedieval lhe caiam bem.
Reymont contrastava. Era um homem atarracado, carrancudo, de expressão dura, que nunca se preocupara em ver removida a cicatriz que lhe marcava a testa. Sua túnica e calças justas convencionais poderiam muito bem passar por um uniforme.
— Obrigado por não nos ter incomodado — disse ele, mais lacônico que cordial.
— Tive certeza que os senhores não queriam ser assediados por serem celebridades — o funcionário respondeu. — Sem dúvida, muitas outras pessoas também os reconheceram, mas sentiram o mesmo.
— Você descobrirá que nós, suecos, somos um povo amável — Lindgren sorriu para Reymont.
— Não questiono isso — di