O Silêncio das Montanhas traz como protagonista os irmãos Pari e Abdullah, que moram em uma aldeia distante de Cabul, são órfãos de mãe e têm uma forte ligação desde pequenos. Assim como a fábula que abre o livro, as crianças são separadas, marcando o destino de vários personagens. Paralelamente à trama principal, Hosseini narra a história de diversas pessoas que, de alguma forma, se relacionam com os irmãos e sua família, sobre como cuidam uns dos outros e a forma como as escolhas que fazem ressoam através de gerações. Assim como em O Caçador de Pipas, o autor explora as maneiras como os membros sacrificam-se uns pelos outros, e muitas vezes são surpreendidos pelas ações de pessoas próximas nos momentos mais importantes.
Segundo o próprio Hosseini, o novo título “fala não somente sobre a minha própria experiência como alguém que viveu no exílio, mas, também sobre a experiência de pessoas que eu conheci, especial os refugiados que voltaram ao Afeganistão e sobre cujas vidas tentei falar tanto como escritor quanto como representante da Organização das Nações Unidas. Espero que os leitores consigam amar os personagens de O Silêncio das Montanhas tanto quanto eu os amo”. Seguindo os personagens, mediante suas escolhas e amores pelo mundo – de Cabul a Paris, de São Francisco à Grécia -, a história se expanda, tornando-se emocionante, complexa e poderosa.
É um livro sobre vidas partidas, inocências perdidas e sobre o amor em uma família que tenta se reencontrar.
O Silêncio das Montanhas – Khaled Hosseini
Khaled Hosseini
O SILÊNCIO DAS MONTANHAS
Tradução: Claudio Carina
Cinco
PRIMAVERA DE 2003
A ENFERMEIRA, CHAMADA AMRA ADEMOVIC, já havia prevenido Idris e Timur. Puxou os dois de lado e falou: — Se vocês mostrarem alguma reação, por menor que seja, ela vai ficar triste, e eu chuto vocês daqui.
Eles estão no fim de um longo corredor mal iluminado na ala masculina do hospital Wazir Akbar Khan. Amra disse que o único parente que restou — ao menos o único que a visitava — era um tio e, que se fosse alojada na ala das mulheres, ele não poderia visitá-la. Por isso, o hospital a internara na ala masculina, com homens que não tinham parentes — mas aqui, no final do corredor, era uma terra de ninguém, tanto para homens como para mulheres.
— E eu pensando que o Talibã havia saído da cidade — observa Timur.
— É louco, não? — diz Amra, dando uma risada perplexa. Na semana em que voltou a Cabul, Idris percebeu que esse tom levemente exasperado era comum entre os estrangeiros que trabalhavam em organizações assistenciais, que precisavam lidar com as inconveniências e idiossincrasias da cultura afegã. Sentia-se vagamente ofendido por essas brincadeiras, essa licença para ser condescendente, embora os locais pareçam não perceber, ou percebem e não se sentem insultados, e por isso ele resolveu fazer o mesmo.
— Mas eles deixaram você ficar aqui. Você pode entrar e sair — observa Timur.
Amra arqueia uma sobrancelha. — Para mim não vale. Eu não sou afegã. Então, não sou mulher de verdade. Você não sabe disso?
Sem se sentir agredido, Timur sorri. — Amra. É um nome polonês?
— Bósnio. Isso é um hospital, não um zoológico. Você jura?
Timur concorda. — Eu juro.
Idris olha para a enfermeira, preocupado que ela possa ter se ofendido com aquele arremedo, um pouco inconveniente e desnecessário, mas parece que Timur conseguiu se sair bem. Idris ao mesmo tempo discorda e inveja a habilidade do primo. Sempre considerou Timur um grosso, sem sutileza ou imaginação. Sabe que Timur trapaceia tanto na vida como nos impostos a pagar. Nos Estados Unidos, Timur é dono de uma empresa de hipotecas imobiliárias, e Idris tem quase certeza de que está atolado até a cintura em algum tipo de fraude hipotecária. Mas Timur é extremamente sociável, e seus defeitos sempre são compensados por seu bom humor, sua indiscutível simpatia e um inocente ar enganador que agrada as pessoas que conhece. A boa aparência também não prejudica, o corpo musculoso, os olhos verdes, as covinhas no sorriso. Idris vê Timur como um adulto gozando dos privilégios de uma criança.
— Tudo bem — diz Amra. Puxa o lençol pregado no teto que funciona como cortina e deixa os dois entrarem.
A garota — Roshi, como Amra a chamava, abreviatura de Roshana — parece ter nove anos, talvez dez. Está sentada numa cama de metal, de costas para a parede, joelhos encolhidos no peito. Idris imediatamente baixa os olhos. Engole uma expressão de espanto antes que escape. Como era previsível, Timur não consegue se conter. Estala a língua e diz oh, oh, oh, várias vezes, num murmúrio audível e comovido. Idris olha para Timur e não se surpreende ao ver lágrimas densas tremeluzindo em seus olhos, de forma teatral.
A garota estremece e emite um grunhido.
— Tudo bem, acabou, vamos embora — diz Amra abruptamente.
Do lado de fora, nos degraus caindo aos pedaços, a enfermeira tira um maço de Marlboro vermelho do bolso do jaleco azul-claro. Timur, cujas lágrimas desapareceram tão rapidamente quanto se materializaram, pega um cigarro e acende os dois, o dele e o dela. Idris se sente zonzo, a cabeça oca. A boca ficou seca. Tem medo de vomitar e se desgraçar, confirmar a opinião que Amra tem dele, deles dois, dos ricos exilados de olhos esbugalhados que voltam para casa para ver a carnificina depois que o bicho-papão foi embora.
Idris esperava que Amra os repreendesse, ao menos Timur, mas sua atitude é mais de flerte que de censura. Esse é o efeito que Timur tem sobre as mulheres.
— Bem — ela diz, de forma coquete. — O