O Rei do Inverno conta a mais fiel história de Artur, sem os exageros míticos de outras publicações. A partir de fatos, este romance genial retrata o maior de todos os heróis como um poderoso guerreiro britânico, que luta contra os saxões para manter unida a Britânia, no século V, após a saída dos romanos. “O livro traz religião, política, traição, tudo o que mais me interessa,” explica Cornwell, que usa a voz ficcional do soldado raso Derfel para ilustrar a vida de Artur. O valoroso soldado cresce dentro do exército do rei e dentro da narrativa de Corwell até se tornar o melhor amigo e conselheiro de Artur na paz e na guerra.
O Rei do Inverno – As Crônicas de Artur – Volume 1 – Bernard Cornwell
O Rei do Inverno é para a Judy com amor
PRIMEIRA PARTE
Uma Criança no Inverno
Estas coisas aconteceram há muito, muito tempo, numa terra chamada Grã-Bretanha. O bispo Sansum, que Deus abençoe acima de todos os santos vivos ou mortos, diz que estas memórias deviam arder no fogo do inferno com todo o resto da podridão da humanidade decadente, pois estas são as histórias dos dias que antecederam a descida das grandes trevas sobre a luz de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Estas são as histórias das terras a que chamamos Lloegyr, que significa Terras Perdidas, do país que outrora foi nosso, mas ao qual os nossos inimigos chamam agora Inglaterra. Estas são as histórias de Artur, o Senhor da Guerra, o Rei que Nunca Existiu, o Inimigo de Deus e, que o Cristo Vivo me perdoe, o melhor homem que jamais conheci. Como eu chorei por Artur.
Hoje faz frio. As montanhas estão cobertas de uma palidez de morte e as nuvens são negras. Deve nevar antes do cair da noite, mas Sansum vai com certeza nos recusar a bênção de uma fogueira. O frio é bom, diz o santo, para mortificar a carne. Eu já sou velho, mas Sansum, que Deus lhe dê muitos anos, é ainda mais velho e, por isso, não posso valer-me da idade para abrir a arrecadação da lenha.
Sansum vai limitar-se a dizer que o nosso sofrimento é uma oferenda a Deus que sofreu mais do que todos nós. E assim, nós, os seis Irmãos, nada podemos fazer senão passar a noite mal dormida tiritando de frio. E amanhã o poço estará gelado e o Irmão Maelgwyn terá de descer a corrente e partir o gelo com uma pedra para podermos beber.
No entanto, o frio não é o pior tormento do nosso Inverno. O pior é que os caminhos gelados vão impedir Igraine de visitar o mosteiro. Igraine é a nossa rainha, casada com o rei Brochvael. É esbelta e morena, muito nova e dona de uma energia que é como o calor do sol em um dia de Inverno.
Vem aqui rezar para que lhe seja concedida a bênção de um filho. Porém, passa mais tempo conversando comigo do que rezando a Nossa Senhora ou ao Seu abençoado Filho. Conversa comigo, porque gosta de ouvir as histórias sobre o rei Artur. No Verão passado contei-lhe tudo de que me lembrava e, quando já não me lembrava de mais nada, trouxe-me um monte de pergaminhos, um tinteiro feito de chifre e um punhado de penas de ganso para escrever.
Artur usava penas de ganso no elmo. Estas penas não são tão grandes nem tão brancas, mas ontem, ao segurar no ar o feixe de penas contra o céu de Inverno, por um glorioso momento de remorso pareceu-me ver a cara dele abaixo da pluma.
Por esse instante apenas o dragão e o urso rugiram por toda a Grã-Bretanha para aterrorizar de novo os pagãos, mas de repente espirrei e vi que nada mais segurava do que uma mão-cheia de penas cobertas de excrementos de ganso que quase nem serviam para escrever. A tinta é tão má como as penas uma mera mistura de resíduos de lamparina com resina de macieira. Os pergaminhos sempre são melhores. São feitos de peles de cordeiro deixados pelos Romanos e tempos houve em que estavam cobertos de inscrições que nenhum de nós conseguia ler, mas as aias de Igraine rasparam as peles até ficarem totalmente brancas. Diz Sansum que seria melhor utilizar tanta pele de cordeiro para fazer sapatos, mas as peles agora raspadas estão finas demais para isso e, além disso, Sansum não se atreve a ofender Igraine e assim perder a amizade do rei Brochvael.
Este mosteiro encontra-se a meio dia de viagem dos lanceiros inimigos e a nossa pequena arrecadação poderia atrair esses inimigos levando-os atravessando o rio Negro e subir as montanhas até ao vale de Dinnewrac se os guerreiros de Brochvael não tivessem ordens para nos proteger. Todavia, penso que nem sequer a amizade de Brochvael poderia convencer Sansum a aceitar a idéia do Irmão Derfel escrever as histórias dos feitos de Artur, o Inimigo de Deus e, por isso, Igraine e eu men