Uma relíquia medieval – a estatueta de um falcão – é alvo da cobiça de aventureiros gananciosos. O detetive Sam Spade entra nesta batalha quando seu sócio é assassinado depois de se envolver com uma jovem sedutora. Em 1941, John Huston transformou o livro no filme noir “Relíquia Macabra”, com Humphrey Bogart no papel de Sam Spade.
O Falcão Maltês – Dashiell Hammett
DASHIELL HAMMETT
O falcão maltês
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Edição integral
Título do original: "The maltese falcon"
Copyright © 1929,1930, Alfred A. Knopf, Inc., renovado em 1957 por Dashiell Hammett
Tradução: Cândida Villalva
1. SPADE & ARCHER
O maxilar de Samuel Spade era longo e ossudo, e seu queixo, um V proeminente sob o V mais flexível da boca. As narinas curvavam-se para trás, formando um outro V menor. Os olhos, amarelo-pardos, eram horizontais. O motivo V era retomado por espessas sobrancelhas, que saíam de duas rugas gêmeas sobre o nariz adunco e se erguiam na parte externa, e o cabelo, castanho-claro, descia das têmporas altas e achatadas, em ponta sobre a testa. Dava a impressão um tanto divertida de um demônio loiro.
— Então, meu bem? — disse ele, dirigindo-se a Effie Perine.
Effie Perine era uma moça esbelta, morena de sol, cujo vestido de lã escura e leve a envolvia produzindo um efeito melancólico. Tinha olhos castanhos e travessos, num rosto vivo e juvenil.
Acabou de fechar a porta, encostou-se a ela, e disse:
— Está aí uma moça à sua procura. Chama-se Wonderly.
— Uma cliente?
— Acho que sim. De todo jeito, terá que vê-la: ela é uma graça.
— Faça-a entrar, meu bem — disse Spade. — Faça-a entrar.
Effie Perine abriu de novo a porta, recuando para a sala externa sem tirar a mão do trinco, enquanto dizia:
— Faça o favor de entrar, srta. Wonderly.
Uma voz respondeu "Muito obrigada", tão suavemente que apenas a clara pronúncia tornava as palavras inteligíveis, e uma jovem transpôs a porta. Caminhava devagar, com passos hesitantes, fixando em Spade uns olhos azul-cobalto que se mostravam ao mesmo tempo tímidos e perscrutadores. Era alta e de uma esbeltez flexível, sem angulosidades. Tinha o talhe ereto e o colo alteado, pernas longas, mãos e pés estreitos. Usava dois tons de azul, escolhidos de acordo com os olhos. O cabelo, caindo em anéis sob o chapéu azul, era de um vermelho sombrio, e os lábios cheios, de um vermelho mais vivo. Dentes alvos brilhavam na meia-lua formada pelo seu sorriso tímido.
Spade levantou-se, cumprimentando-a e indicando com a mão de dedos grossos a cadeira de braços feita de carvalho, ao lado da sua secretária. Ele tinha bem um metro e noventa de altura. A pronunciada curvatura dos ombros fazia seu corpo, de largura igual tanto na frente como dos lados, parecer quase cômico e impedia o paletó cinzento, bem passado, de cair direito.
A srta. Wonderly murmurou suavemente: — Muito obrigada — e sentou-se na beirada do assento de madeira. Spade afundou na cadeira giratória, deu uma volta para colocar-se frente à moça e sorriu com polidez, quase sem abrir os lábios. Todos os VV do seu rosto se alongaram. Através da porta fechada, veio o tip-tap das teclas e o leve som da campainha, acompanhando o ruído abafado da máquina de Effie Perine. Num escritório próximo, um motor elétrico vibrou surdamente. Na secretária de Spade, um cigarro amassado fumegava num cinzeiro de latão, cheio de pontas de cigarros. Montículos de cinza salpicavam a superfície amarela da secretária, o mata-borrão verde e os papéis ali existentes. Uma janela de cortinas amarelo-claras, aberta uns trinta centímetros, deixava penetrar, vinda do pátio, uma corrente de ar que recendia levemente a amoníaco. Sobre a secretária, as cinzas se agitaram e foram arrastadas pela corrente.
A srta. Wonderly observava as partículas de cinza se agitarem e serem levadas pelo vento. Seus olhos mostravam-se inquietos. Ela estava sentada bem na beirada da cadeira, com os pés apoiados no chão, como se estivesse prestes a se levantar. As mãos, calçadas com luvas escuras, apertavam sobre o colo uma bolsa em formato de carteira, também escura. Spade recostou-se na cadeira, e perguntou: — Em que lhe posso ser útil, srta. Wonderly? Ela reteve a respiração e dirigiu-lhe o olhar. Depois tomou fôlego e disse precipitadamente: — O senhor poderia . . . ? Eu pensei... eu... isto é. . . — Mordeu então o lábio inferior com os dentes bril