A temática kafkaniana – o desespero do homem ante o abuso da existência – perde-se nos labirintos das parábolas que dominam seus contos, seus romances sua sátiras.
No romance O Castelo(1926), nega-se ao agrimensor K(uma contrafigura do autor, que se retrata em todos os seus trabalhos) a permissão de fixar-se em uma aldeia . A proibição é coerente com os critérios das autoridades locais que criam toda espécie de injustiça.
Várias de suas obras foram levadas ao cinema com grande sucesso.
O Castelo – Franz Kafka
Capítulo 6
SEGUNDA CONVERSA
COM A DONA DO ALBERGUE
DIANTE DO ALBERGUE o dono da casa o esperava. Sem ser interpelado ele não teria ousado falar, por isso K. perguntou o que ele queria.
— Já tem outro lugar para ficar? — perguntou de volta o dono do albergue, olhando para o chão.
— Você está fazendo a pergunta por conta de sua mulher — disse K. — Depende dela a esse ponto?
— Não — disse o dono do albergue. — Não estou perguntando em nome dela. Mas ela está muito agitada e infeliz por sua causa, não pode trabalhar, fica deitada na cama, suspirando e se lamentando sem parar.
— Devo ir falar com ela? — perguntou K.
— Peço por favor que vá — disse o dono do albergue. — Eu já quis ir buscá-lo na casa do prefeito, fiquei escutando à porta, mas como estavam conversando não quis perturbar, além disso eu estava preocupado com minha mulher, corri de volta para cá, ela porém não me deixou entrar no quarto e assim não me restou outra coisa senão esperá-lo.
— Então vamos rápido — disse K. — Vou tranqüilizá-la logo.
— Espero que consiga — disse o dono do albergue.
Atravessaram a cozinha clara, onde três ou quatro criadas, cada uma distante da outra, cuidando dos seus respectivos trabalhos, ficaram literalmente paralisadas à vista de K. Já da cozinha se ouviam os suspiros da dona do albergue. Ela estava deitada num cubículo sem janela separado da cozinha por um leve tabique de madeira. Só havia espaço para um grande leito de casal e um armário. A cama estava colocada de tal modo que dela se podia ver toda a cozinha e vigiar o trabalho. Da cozinha, porém, não se podia ver quase nada do quartinho, lá estava completamente escuro, só a coberta branca e vermelha cintilava um pouco. Quando se havia entrado e os olhos se habituado à escuridão é que se podiam distinguir os detalhes.
— Finalmente o senhor veio — disse a dona do albergue com voz fraca.
Ela estava deitada de costas, era evidente que tinha dificuldade para respirar, havia atirado a coberta de plumas para os pés da cama. Parecia muito mais jovem no leito do que vestida, mas uma touquinha de dormir de renda delicada, que tinha na cabeça, embora fosse pequena demais e oscilasse sobre os cabelos, fazia a decadência do seu rosto causar pena.
— Como é que poderia ter vindo? — disse K. com brandura. — A senhora não mandou me chamar.
— O senhor não deveria ter-me feito esperar tanto — disse a dona do albergue com a obstinação dos doentes. — Sente-se — disse apontando para a beira da cama. — Os outros, porém, vão embora.
Além dos ajudantes haviam entrado no quarto, nesse meio-tempo, também as criadas.
— Devo também ir embora, Gardena? — disse o dono do albergue.
K. ouvia pela primeira vez o nome da mulher.
— Naturalmente — disse ela devagar.
Como se estivesse entretida com outros pensamentos, acrescentou:
— Por que justamente você deveria ficar?
Quando todos haviam se retirado para a cozinha — dessa vez os ajudantes também seguiram, embora estivessem atrás de uma criada —, Gardena teve presença de espírito suficiente para perceber que se podia escutar da cozinha tudo o que ali se falava, pois o tabique não tinha porta. Ordenou por isso que todos deixassem também a cozinha, o que se fez imediatamente.
— Por favor, senhor agrimensor — disse então Gardena —, no armário bem em frente está pendurado um xale, pegue-o para mim, quero me cobrir com ele, não suporto o cobertor de penas, respiro com tanta dificuldade.
E quando K. lhe trouxe o xale ela disse:
— Como o senhor vê, é um belo xale, não é verdade?
Para K. parecia ser uma peça comum de lã, ele a apalpou mais uma vez por gentileza, mas não disse nada.
— Sim, é um belo xale — disse Gardena cobrindo-se com ele.
Ela agora estava deitada ali tranqüilamente, parecia que toda dor a tinha deixado, ocorreu-lhe até que seus cabelos haviam ficado em desalinho pelo fato de estar deitada; sentou-se por um instante na cama e arrumou um pouco o penteado em volta da pequena touca. Sua cabeleira era abundante.
K. ficou impaciente e disse:
— A senhora mandou