Em ‘O Banquete’, um grupo de amigos se reúne para comemorar a vitória de Agatão num concurso de tragédias, proferindo discursos em honra a Eros. Expansivamente, o tema do amor é abordado por diversas perspectivas, que iluminam aspectos complementares de uma experiência humana fundamental. Em um dos discursos, Sócrates apresenta o amor filosófico, aquele devotado à geração do saber e baseado na ascensão dialética da dimensão sensível até o âmbito inteligível do belo. A riqueza dramática do teatro filosófico sobressai com a chegada de Alcibíades, que expõe o amor apaixonado. O volume conta com introdução do coordenador da coleção, Victor Sales Pinheiro, que busca contextualizar a obra na cultura grega, analisar a forma literária e a argumentação filosófica do diálogo, lembrando o fecundo legado da obra na tradição artística e intelectual.
O Banquete (o amor, o belo) – Platão
APOLODORO- Creio que a respeito do que quereis saber não estou sem preparo. Com efeito, subia eu há pouco à
cidade, vindo de minha casa em Falero, quando um conhecido atrás de mim avistou-me e de longe me
chamou, exclamando em tom de brincadeira: "Falerino! Eli, tu, Apolodoro! Não me esperas?" Parei e
esperei. E ele disse-me: "Apolodoro, há pouco mesmo eu te procurava, desejando informar-me do
encontro de Agatão, Sócrates, Alcibíades, e dos demais que então assistiram ao banquete, e saber dos
seus discursos sobre o amor, como foram eles. Contou-mos uma outra pessoa que os tinha ouvido de
Fênix, o filho de Filipe, e que disse que também tu sabias. Ele porém nada tinha de claro a dizer.
Conta-me então, pois és o mais apontado a relatar as palavras do teu companheiro. E antes de tudo,
continuou, dize-me se tu mesmo estiveste presente àquele encontro ou não." E eu respondi-lhe: "É
muitíssimo provável que nada de claro te contou o teu narrador, se presumes que foi há pouco que se
realizou esse encontro de que me falas, de modo a também eu estar presente. Presumo, sim, disse ele. De
onde, ó Glauco?, tornei-lhe. Não sabes que há muitos anos Agatão não está na terra, e desde que eu
freqüento Sócrates e tenho o cuidado de cada dia saber o que ele diz ou faz, ainda não se passaram três
anos? Anteriormente, rodando ao acaso e pensando que fazia alguma coisa, eu era mais miserável que
qualquer outro, e não menos que tu agora, se crês que tudo se deve fazer de preferência à filosofia". "Não
fiques zombando, tornou ele, mas antes dize-me quando se deu esse encontro". "Quando éramos crianças
ainda, respondi-lhe, e com sua primeira tragédia Agatão vencera o concurso, um dia depois de ter
sacrificado pela vitória, ele e os coristas. Faz muito tempo então, ao que parece, disse ele. Mas quem te
contou? 0 próprio Sócrates? Não, por Zeus, respondi-lhe, mas o que justamente contou a Fênix. Foi um
certo Aristodemo, de Cidateneão, pequeno, sempre descalço; ele assistira à reunião, amante de Sócrates
que era, dos mais fervorosos a meu ver. Não deixei todavia de interrogar o próprio Sócrates sobre a
narração que lhe ouvi, e este me confirmou o que o outro me contara. Por que então não me contas-te?
tornou-me ele; perfeitamente apropriado é o caminho da cidade a que falem e ouçam os que nele
transitam."E assim é que, enquanto caminhávamos, fazíamos nossa conversa girar sobre isso, de modo que, como
disse ao início, não me encontro sem preparo. Se portanto é preciso que também a vós vos conte, devo
fazê-lo. Eu, aliás, quando sobre filosofia digo eu mesmo algumas palavras ou as ouço de outro, afora o
proveito que creio tirar, alegro-me ao extremo; quando, porém, se trata de outros assuntos, sobretudo dos
vossos, de homens ricos e negociantes, a mim mesmo me irrito e de vós me apiedo, os meus
companheiros, que pensais fazer algo quando nada fazeis. Talvez também vós me considereis infeliz, e
creio que é verdade o que presumis; eu, todavia, quanto a vós, não presumo, mas bem sei.COMPANHEIRO- És sempre o mesmo, Apolodoro! Sempre te estás maldizendo, assim como aos outros; e me pareces que
assim sem mais consideras a todos os outros infelizes, salvo Sócrates, e a começar por ti mesmo. Donde
é que pegaste este apelido de mole, não sei eu; pois em tuas conversas és sempre assim, contigo e com os
outros esbravejas, exceto com Sócrates.
APOLODORO- Caríssimo, e é assim tão evidente que, pensando desse modo tanto de mim como de ti, estou eu
delirando e desatinando?COMPANHEIRO- Não vale a pena, Apolodoro, brigar por isso agora; ao contrário, o que eu te pedia, não deixes de
fazê-lo; conta quais foram os discursos.APOLODORO- Foram eles em verdade mais ou menos assim... Mas antes é do começo, conforme me ia contando
Aristodemo, que também eu tentarei contar--vos.Disse ele que o encontrara Sócrates, banhado e calçado com as sandálias, o que poucas vezes fazia;
perguntou-lhe então onde ia assim tão bonito.Respondeu-lhe