No começo do século XX, saíram contrabandeados da penitenciária de San Quentin, nos Estados Unidos, manuscritos de um ex-detento que permaneceu na solitária por oito anos até ser enforcado. Este seria um fato comum, não fosse o incrível conteúdo dos relatos, que foram produzidos de maneira inusitada – após o prisioneiro submeter-se à auto-hipnose e entrar em estado alterado de consciência, por meio do qual era capaz de vivenciar experiências de vidas passadas. Danell Standing, um professor de Agronomia que matou um colega de faculdade, aprendeu essa técnica dentro da prisão, em princípio para escapar das terríveis dores que lhe causavam a tortura da camisa-de-força, onde ele era obrigado a ficar até cem horas ininterruptas. Depois, para recuperar mais detalhes das longínquas existências que lhe eram proporcionadas a cada novo “desdobramento astral”. Em suas memórias, ele deixou registrado um relato que nos chama atenção porque as provas dessa sua existência encontram-se expostas hoje no Museu da Filadélfia. Embora fosse um cético, Jack London, mestre norte-americano da ficção, absorveu a rica experiência de Danell Standing e se propôs a narrar um dos mais instigantes e envolventes romances de todos os tempos, “O Andarilho das Estrelas”, que retoma a visão de mundo de grandes sábios e filósofos que a humanidade produziu.
O Andarilho das Estrelas – Jack London
Jack London
O ANDARILHO DAS ESTRELAS
Tradução de Merle Scoss
Prefácio de Michel Sokoloff
© Jack London
Título do original em inglês: The Star Rover
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Em 18 de dezembro de 1991, estávamos na Livraria Zipak assinando o contrato que faria nascer a editora Axis Mundi. Naquele exato momento, Michel Sokoloff percorria as prateleiras da livraria, enquanto um livro caía sobre nós, The Star Rover, de Jack London. A magia dessa estranha sincronicidade só iríamos desvendar mais tarde, numa praça de Marrakesh...
OS EDITORES São Paulo, março/93
PREFÁCIO DE MICHEL SOKOLOFF
Jack London, nascido em 1876, morto em 1916, atravessou a vida como um cometa. Marinheiro, correspondente de guerra, vagabundo, especialista em prospecção, agitador socialista, fazendeiro, ele foi o escritor americano mais conhecido na Europa.
As reedições de seus livros se multiplicam, mesmo em nossos dias, na Itália, no Japão, na Rússia e na França, pois sua personalidade marcante toca os homens de nosso tempo nos seus questionamentos mais íntimos e revela esse conflito permanente entre a razão, o pensamento conceitual, de um lado, e o vivido, o sentido, do outro.
O que significa essa representação do mundo das idéias criada pela ciência para o homem que vive na sua carne o sofrimento e o enigma de estar no mundo?
Numa reação contra sua mãe, espírita e médium bem conhecida, Jack London toma-se decididamente materialista e se engaja, a título pessoal, na luta para melhorar a condição dos oprimidos pelo sistema capitalista. Inscrito no partido socialista, ele pede sua demissão no final de sua vida. E resume sua posição na dedicatória de seu último grande livro, O Andarilho das Estrelas, que endereça a sua mãe:
“Minha querida mamãe, aqui está todo o argumento da tua postura segundo a qual apenas o espírito persiste enquanto a matéria perece. Sinto-me bastante culpado de tê-lo escrito, porque não acredito em nada disso. Acredito que o espírito e a matéria estão tão intimamente ligados que ambos desaparecem juntos quando a luz se apaga.
Teu filho, afetuosamente, em 21 de outubro de 1915.”
E, no entanto, toda a sua obra é habitada pelo mistério da vida que a transpassa. Ele prefigura esta humanidade do século vinte, dividida entre o homem de razão prisioneiro da armadura social e o ser humano que vive o drama de uma vida precária e limitada. Para entrar no mundo de Jack London é preciso vibrar na sua mesma amplitude de onda.
É a abertura à vida que permite o encontro com o Outro, você, seu semelhante, e o maior dos estranhos...
Essa estranheza de ser outro, Jack London a cultivou em sua obra, quando dizia: “Preferiria ser um soberbo meteoro, cada um de meus átomos irradiando um brilho magnífico a ser um planeta adormecido. A função do homem é a de viver, e não a de existir. Não desperdiçarei meus dias na tentativa de prolongar minha vida, quero queimar todo o meu tempo.”
Por qual misterioso jogo de circunstâncias encontrava-me em Marrakesh, no Marrocos, durante o Congresso Internacional sobre o Transe, em companhia de Luis Pellegrini?
Estávamos num pequeno restaurante árabe dominante sobre a grande praça que fervilhava de vida intensa e tradicional. Memórias de infância retornam... no mercado iluminado por lampiões a gás, milhares de atores acendem a lâmpada de Aladim... o espírito desceu sobre a vida. Luis começa a falar: que surpreendente personagem saído da Renascença italiana e do sonho veneziano. Ele fala de um livro de Jack London que quer editar no Brasil. Sinto subir em mim o sentimento radiante da minha infância... olho para Luis e digo a ele: “Com certeza é O Andarilho das Estrelas.”
“Sim” responde Luis, “como você adivinhou?” Não, não se trata de adivinhação, mas simplesmente do reencontro entre