Nada Me Faltará – Lourenço Mutarelli

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Nada me faltará narra a história de Paulo, um homem que desaparece misteriosamente com a mulher e a filha e ressurge um ano depois, sem explicações, na frente do prédio onde morava. Paulo é interrogado por médicos, policiais, amigos e familiares, mas não se lembra de nada do que aconteceu. Levado para a casa da mãe, ele se entrega a um estado de cansaço e desinteresse. A situação se complica conforme aumenta a cobrança para que ele volte a se comportar como antes, mas ninguém parece entender que, para Paulo, tudo está bem. O desinteresse pelo paradeiro da mulher e da filha alimenta a suspeita de um investigador e da própria mãe. Somente seu terapeuta, dr. Leopoldo, se mostrará compreensivo para tentar desvendar o caso de seu paciente. Ao realçar o descompasso entre as realidades dos vários personagens, Mutarelli elabora como poucos o tema da incomunicabilidade. Com um registro coloquial preciso e um humor estranho e desconfortável, ele explora um dos elementos típicos de sua obra: o limite incerto entre sanidade e loucura.

Ao amigo Mario Bortolotto 1 Carlos? Oi, Cris. Onde você está? Acabei de chegar em casa. Quer ligar aqui? Não… Ele apareceu. Encontraram ele? Ele apareceu. Ele apareceu? Ele está vivo? Ele está bem. Onde ele estava? Como ele está? Ele apareceu. Mas onde? Onde o encontraram? Como ele está? Ele apareceu do nada. Meu Deus! E como ele está? Ele está bem. Você já viu ele? Não. Quem me ligou foi a Fernanda. Ele apareceu na casa da dona Inês. Ele apareceu… O que foi que ele disse? Por onde ele andou durante todo esse tempo? E como está a Luci, e a menina? Ele não lembra de nada. Não lembra? Como assim, não lembra? Minha Nossa! E a Luci e a Ingrid? Ele não sabe. Então elas continuam desaparecidas? E ele não se lembra de nada? É. Parece que a polícia está lá, investigando. E onde ele está? Ele está no hospital. Hospital? Em que hospital? Mas ele está bem? Está. Está na Beneficência Portuguesa. Parece que ia fazer uns exames. Que coisa… Eu já tinha perdido as esperanças… Você já avisou o Pedro? Não, vou ligar agora. Eu vou até o hospital. Você sabe em qual quarto ele está? Não. Mas eu também estou indo para lá. Então, nos vemos no hospital.     Como vai, dona Inês? Oi, Carlos. Ele não lembra de nada… Meu Deus do céu! Mas ele está bem? Ele está bem. Eu é que quase morro de susto. Ele não lembra de nada? Ele está com amnésia? Ele se lembra de tudo até o dia do desaparecimento. O que aconteceu nesse tempo todo ele não sabe. E a Luci? Ele não sabe. Ele nem sabia que ela tinha desaparecido junto com ele. Meu Deus! Que coisa! Nem me fale. Mas pelo menos ele está bem. Ele não sabe o que aconteceu com a minha netinha. Calma, dona Inês. Eu acho que com o tempo ele deve recuperar a memória. E, se ele voltou, elas também vão aparecer. Ele chegou em casa como se nada tivesse acontecido. E o que os médicos falaram? Você sabe como são esses médicos… Pelo menos ele está aqui de volta e está bem, não é? É. Olha lá a Cris. … Oi, dona Inês, como vai a senhora? Vamos levando, minha filha. Oi, Carlos. E aí? Você já esteve com ele? Não, tem um policial conversando com ele agora. O policial veio falar comigo também. Veio perguntar se ele tinha inimigos. Se tinha envolvimento com drogas, se o casamento ia bem. E o que a senhora disse? Eu disse a verdade. Disse que meu filho é uma pessoa correta, que tem uma vida absolutamente normal. Olha lá! Aquele que está vindo é o tal policial. Duvido que a mãe desse sujeitinho possa dizer o mesmo dele. Calma, dona Inês. A senhora precisa tentar manter a calma. Por que ele não veio me interrogar quando o Paulo desapareceu? Por que eles não o encontraram? Cadê minha neta? E minha nora? Calma, dona Inês. O Carlos está certo. Não vale a pena a senhora ficar assim. Agora a gente precisa curtir o Paulo. Eu acho que logo ele vai acabar se lembrando de tudo, e assim encontraremos a Luci e a Ingrid. Deus te ouça, minha filha. Deus te ouça. Um ano. O que terá acontecido nesse tempo todo? Vou aproveitar que o policial saiu e vou até o quarto. Eles só estão deixando entrar uma pessoa por vez. Quando eu voltar, um de vocês entra. Mas a senhora já esteve com ele? Já, minha filha. É que eu quero ficar mais um pouquinho. Claro.     E aí, Paulo? Como é que você está? Eu estou legal, eu… estou bem. Você não imagina como é bom te ver, cara! É bom te ver, Carlos. Eu falei com a sua mãe lá fora. Ela levou um susto e tanto quando te viu. É. Eu sei. Ela disse que, quando chegaram aqui, foi ela quem precisou ser atendida. Mas ela está bem agora. Ela está bem, está bem. A pressão subiu, mas ela está bem. E você? Que coisa, tudo isso. É. Que loucura, tudo isso. É mais estranho para vocês do que pra mim. É mesmo? E o que aconteceu? Nada. Para mim, não aconteceu nada. Sua mãe disse que você não se lembra. Não me lembro de nada. É como se… O quê? Como se nada tivesse acontecido. Mas você está bem? Só me sinto um pouco cansado. A Cris está aí fora. Ela veio te dar um abraço. Minha mãe falou que vocês estavam aí. Eu vim só te dar um ab
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