Nesta seleção de textos do próprio autor encontramos textos que são uma verdadeira homenagem às mulheres – célebres e anônimas – da America Latina.
Mulheres – Eduardo Galeano
O AMOR
Na selva amazônica, a primeira mulher e o primeiro homem se olharam com curiosidade. Era estranho o que tinham entre as pernas.
– Te cortaram? – perguntou o homem.
– Não – disse ela. – Sempre fui assim.
Ele examinou-a de perto. Coçou a cabeça. Ali havia uma chaga aberta.
Disse:
– Não comas mandioca, nem bananas, e nenhuma fruta que se abra ao amadurecer. Eu te curarei. Deita na rede, e descansa.
Ela obedeceu. Com paciência bebeu os mingaus de ervas e se deixou aplicar as pomadas e os ungüentos. Tinha de apertar os dentes para não rir, quando ele dizia:
– Não te preocupes.
Ela gostava da brincadeira, embora começasse a se cansar de viver em jejum, estendida em uma rede. A memória das frutas enchia sua boca de água.
Uma tarde, o homem chegou correndo através da floresta. Dava saltos de euforia e gritava:
– Encontrei! Encontrei!
Acabava de ver o macaco curando a macaca na copa de uma árvore.
– É assim – disse o homem, aproximando-se da mulher.
Quando acabou o longo abraço, um aroma espesso, de flores e frutas, invadiu o ar. Dos corpos, que jaziam juntos, se desprendiam vapores e fulgores jamais vistos, e era tanta formosura que os sóis e os deuses morriam de vergonha.
O RISO
O morcego, pendurado em um galho pelos pés, viu que um guerreiro kayapó se inclinava sobre o manancial.
Quis ser seu amigo.
Deixou-se cair sobre o guerreiro e o abraçou. Como não conhecia o idioma dos kayapó, falou ao guerreiro com as mãos. As carícias do morcego arrancaram do homem a primeira gargalhada. Quanto mais ria, mais fraco se sentia. Tanto riu, que no fim perdeu todas as suas forças e caiu desmaiado.
Quando se soube na aldeia, houve fúria. Os guerreiros queimaram um montão de folhas secas na gruta dos morcegos e fecharam a entrada.
Depois, discutiram. Os guerreiros resolveram que o riso fosse usado somente pelas mulheres e crianças.
O MEDO
Esses corpos nunca vistos chamaram, mas os homens nivakle não se atreviam a entrar. Tinham visto as mulheres comer: elas engoliam a carne dos peixes com a boca de cima, mas antes a mascavam com a boca de baixo. Entre as pernas, tinham dentes.
Então os homens acenderam fogueiras, chamaram a música e cantaram e dançaram para as mulheres.
Elas se sentaram ao redor, com as pernas cruzadas.
Os homens dançaram durante toda a noite. Ondularam, giraram e voaram como a fumaça e os pássaros.
Quando chegou o amanhecer, caíram desvanecidos. As mulheres os ergueram suavemente e lhes deram de beber.
Onde elas tinham estado sentadas, ficou a terra toda regada de dentes.
A AUTORIDADE
Em épocas remotas, as mulheres se sentavam na proa das canoas e os homens na popa. As mulheres caçavam e pescavam. Elas saíam das aldeias e voltavam quando podiam ou queriam. Os homens montavam as choças, preparavam a comida, mantinham acesas as fogueiras contra o frio, cuidavam dos filhos e curtiam as peles de abrigo.
Assim era a vida entre os índios onas e os yaganes, na Terra do Fogo, até que um dia os homens mataram todas as mulheres e puseram as máscaras que as mulheres tinham inventado para aterrorizá-los.
Somente as meninas recém-nascidas se salvaram do extermínio. Enquanto elas cresciam, os assassinos lhes diziam e repetiam que servir aos homens era seu destino. Elas acreditaram. Também acreditaram suas filhas e as filhas de suas filhas.
HISTÓRIA DO LAGARTO QUE TINHA O COSTUME DE JANTAR SUAS MULHERES
Na margem do rio, oculta pelos juncos, uma mulher está lendo.
Era uma vez, conta o livro, um senhor de vasto senhorio. Tudo pertencia a ele: a aldeia de Lucanamarca e o de mais para cá e o de mais para lá, os animais marcados e os não marcados, as pessoas mansas e as zangadas, tudo: o cercado e o baldio, o seco e o molhado, o que tinha memória e o que tinha esquecimento.
Mas aquele dono de tudo não tinha herdeiro. Sua mulher rezava todos os dias mil orações, suplicando a graça de um filho, e todas as noites acendia mil velas.
Deus estava cansado dos rogos daquela chata, que pedi