Um homem desconhecido é encontrado morto na casa de uma cega. Na cena do crime, quatro relógios parados na mesma hora: quatro e treze. Sem qualquer pista do assassino ou da identidade da vítima, o detetive Colin Lamb, do Serviço Secreto inglês, pede ajuda a Hercule Poirot. Ao iniciar a investigação, o detetive belga afirma que a solução do crime é muito simples, mas ele logo percebe que o caso é mais complicado do que parece, principalmente quando outros dois assassinatos são cometidos em circunstâncias misteriosas.
Os Relógios – Agatha Christie
1
Narrativa de Colin Lamb
Usando termos policiais, às 14h59 do dia 9 de setembro, eu andava por Wilbraham Crescent, na direção oeste. Era o meu primeiro contato com Wilbraham Crescent e, francamente, a rua tinha-me deixado perplexo.
Havia dias que eu andava às voltas com um palpite que se tornava mais e mais insistente, embora a possibilidade de eu estar certo fosse cada vez menor. Eu sou assim.
Estava procurando o nº 61; teria alguma possibilidade de achá-lo? Não, nenhuma. Depois de ter estudado cuidadosamente os números de 1 a 35, pareceu-me que Wilbraham Crescent tinha acabado. Uma travessa chamada Albany Road barrou-me o caminho. Dei meia-volta. Do lado norte não havia casas, apenas um muro, por trás do qual subiam blocos de prédios modernos, cuja entrada era obviamente pelo outro lado. Por ali, nada feito.
À medida que passava, eu ia olhando os números: 24, 23, 22, 21. Diana Lodge (presumivelmente o nº 20, com um gato alaranjado trepado no portão e lambendo o focinho), o nº 19...
A porta se abriu do nº 19 e uma moça saiu, veloz como uma bomba. A semelhança dela com uma bomba intensificou-se pelos gritos que acompanhavam seu avanço: altos e agudos, singularmente inumanos. A moça atravessou o portão e esbarrou em mim com uma força tremenda, quase jogando-me fora da calçada. Ela não se limitou a esbarrar; agarrou-me num gesto desesperado.
– Calma – disse eu, retomando o equilíbrio. Sacudi-a gentilmente. – Vamos, acalme-se.
A moça acalmou-se. Ainda continuou agarrada a mim, mas parou de gritar. Em vez disso, estava ofegante e soluçava sem parar.
Não posso dizer que eu tenha reagido brilhantemente ante à situação. Perguntei-lhe se algo acontecera, consciente de que minha pergunta fora simplesmente insignificante. Procurei corrigir a pergunta.
– O que foi que aconteceu?
A moça respirou fundo.
– Lá!
E, com um gesto, apontou para trás.
– O que houve?
– Tem um homem no chão... morto... Ela ia pisando nele.
– Quem? Por quê?
– Acho que é porque... ela é cega. E há sangue. – Ela olhou para baixo e soltou uma das mãos que me agarravam. – Em mim... Estou suja de sangue...
– Está mesmo – disse eu. Olhei para as manchas na manga do meu casaco. – E eu, também, agora – falei, apontando. Suspirei, considerando o caso. – É melhor levar-me até lá e mostrar-me o que está acontecendo.
Mas a moça começou a tremer violentamente.
– Não posso... Não posso... Não posso entrar mais lá.
– Talvez você tenha razão. – Dei uma olhada em volta. Não havia lugar apropriado para repousar uma jovem semidesmaiada. Abaixei-a delicadamente até a calçada e sentei-a encostada a uma grade de ferro. – Fique aí até eu voltar – disse-lhe. – Não demoro. Incline-se para a frente e ponha a cabeça entre os joelhos, se não estiver se sentindo bem.
– Eu... eu acho que já vai passar.
Ela não parecia lá muito segura, mas eu não podia esperar que se recuperasse. Dei-lhe uma batidinha cordial no ombro e dirigi-me resolutamente caminho acima. Entrei porta adentro, hesitei por um instante no pequeno hall, olhei pela porta da esquerda para uma sala de jantar vazia, atravessei o hall e entrei na saleta do lado oposto.
A primeira coisa que vi foi uma mulher idosa, de cabelos grisalhos, sentada numa cadeira. Ela virou a cabeça bruscamente quando entrei e perguntou:
– Quem é?
Vi logo que era cega. Seus olhos, fixados diretamente na minha direção, pareciam focalizar um ponto atrás de minha orelha esquerda.
Falei rispidamente, indo direto ao assunto.
– Uma jovem saiu correndo daqui para a rua, dizendo que havia um homem morto nesta casa.
Senti que minhas palavras soavam absurdas. Parecia impossível que houvesse um homem morto naquele aposento arrumado, onde havia uma mulher calma, sentada na cadeira, com as mãos cruzadas.
Mas ela respondeu logo:
– Atrás do sofá.
Rodeei o sofá. E então o vi: os braços estendidos, os olhos vidrados, a mancha de sangue coagulado.
– Como foi que isso aconteceu? – perguntei bruscamente.
– Não sei.
– Bem... Certo. Quem é ele?
– Não tenho a menor idéia.
–