No princípio de mais um episódio funesto de suas penosas existências, Violet, Klaus e Sunny Baudelaire se encontram no porta-malas de um carro preto. Qualquer pessoa que não seja um pacote ou uma mala preferiria viajar confortavelmente instalado no banco do passageiro, mas os órfãos Baudelaire não têm escolha. Quando refugiaram-se no bagageiro desse carro sinistro, eles escapavam de uma situação ainda pior.
As três crianças encontram-se na “barriga da fera”, o que vale dizer que estão numa enrascada. Ao volante do automóvel está o ganancioso Conde Olaf, um vilão traiçoeiro que, desde que os Baudelaire perderam os pais num incêndio, vem perseguindo os três com o objetivo de se apossar da fortuna herdada por eles. Até aqui, felizmente, ele foi mal-sucedido.
Além de se safar dessa armadilha, em O espetáculo carnívoro Violet, Klaus e Sunny Baudelaire terão de escapar do Parque Caligari e enfrentar uma multidão indócil. Tudo isso para tentar localizar o dossiê Snicket e decifrar a sigla C.S.C., que pode confirmar se um dos pais das crianças realmente sobreviveu ao terrível incêndio.
Pseudônimo do escritor Daniel Handler, Lemony Snicket se tornou um fenômeno editorial em todo o mundo. Snicket homenageia Edgar Allan Poe e Charles Baudelaire, pais da literatura de mistério e da poesia simbolista, subvertendo os padrões bem comportados da literatura infanto-juvenil para compor uma saga engraçada e arrepiante.
Caro Leitor,
O adjetivo "carnívoro", que aparece no título deste livro, significa "comedor de carne", e isso já é suficiente para você interromper a leitura desde já. Este volume carnívoro contém uma história tão perturbadora que irá revirar o seu estômago muito mais do que a mais desbalanceada das refeições.
Para evitar causar desconforto em você, seria melhor eu não mencionar nenhum dos enervantes ingredientes desta história, especialmente um mapa confuso, uma pessoa ambidestra, uma multidão indócil, uma prancha de madeira e Chabo, o Bebê-Lobo.
Infelizmente para mim, todo o meu tempo está preenchido por pesquisas e registro das vidas desagradáveis e desencantadas dos órfãos Baudelaire. Já o seu tempo poderia ser mais bem aproveitado com alguma coisa mais palatável, por exemplo comer legumes ou alimentar outra pessoa com eles.
Respeitosamente,
Lemony Snicket
Desventuras em Série
Livro nono
O ESPETÁCULO CARNÍVORO
de LEMONY SNICKET
Ilustrações de Brett Helquist
Tradução de Ricardo Gouveia
2002 Texto by Lemony Snicket
2002 Ilustrações by Brett Helquist
Título original:
The Carnivorous Carnival
Preparação:
Beatriz Antunes
Revisão:
Maysa Monção
Carmen S. da Costa
Os personagens e situações desta obra são reais apenas no universo da ficção; não se referem a pessoas e fatos concretos, e sobre eles não emitem opinião.
Para Beatrice —
Nosso amor partiu meu coração,
e parou o seu.
CAPÍTULO
Um
Sempre que termina mais um dia de trabalho, e já fechei o caderno, escondi a caneta e providenciei buracos na minha canoa alugada para que ninguém possa encontrá-la, gosto de passar a noite conversando com alguns poucos amigos que sobreviveram. Às vezes falamos de literatura. Às vezes falamos das pessoas que tentam nos destruir e das chances que temos de escapar. E às vezes falamos das feras assustadoras e inconvenientes que podem estar por perto, e esse assunto leva sempre a desacordos sobre qual parte de uma fera assustadora e inconveniente é a mais assustadora e inconveniente. Alguns dizem que são os dentes, porque são usados para comer crianças, algumas vezes os pais delas também, e roer seus ossos. Alguns dizem que são as garras, porque é com elas que a fera rasga as coisas em pedacinhos. E alguns dizem que são os pêlos, pois os pêlos fazem as pessoas alérgicas espirrarem. Mas eu sempre insisto que a parte mais assustadora de qualquer fera é a barriga, pela simples razão de que, se você está vendo a barriga da fera, isso quer dizer que antes viu seus dentes, e suas garras, e até os pêlos da fera, e agora está encurralado; para você, não há mais esperanças. Por essa razão, "na barriga da fera" tornou-se uma expressão muito usada quando se está "dentro de um lugar terrível e com poucas esperanças de escapar com vida", e não é uma expressão que alguém vá querer usar.
Lamento dizer que este livro usará a expressão "na barriga da fera" três vezes, sem contar todas as vezes que já usei "na barriga da fera" a fim de avisar quantas vezes "na barriga da fera" vai aparecer. Por três vezes no decurso da história as personagens estarão em algum lugar terrível com poucas esperanças de escapar com vida, e por essa razão, se eu fosse você, poria o livro de lado e escaparia com vida, pois essa deplorável história é tão profundamente sombria, e desgraçada, e deprimente que você poderá sentir-se na barriga da fera e chegar à conclusão de que o tempo pouco importa.
Os órfãos Baudelaire estavam na barriga da fera — isso é, no escuro e apertado porta-malas de um automóvel preto e comprido. A não ser que você seja um objeto portátil, provavelmente prefere viajar recostado no encosto estofado, olhando a paisagem pela janela e sentindo-se protegido, seguro, com um cinto de segurança atravessado no peito. Mas os Baudelaire não podiam se reclinar e seus corpos doíam de ficar espremidos durante tantas horas. Não tinham janela pela qual olhar, apenas alguns buracos de bala no porta-malas, abertos em alguma ocasião violenta que não tive co