Grande Sertão: Veredas – João Guimarães Rosa

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Nesta obra de Guimarães Rosa, o sertão é visto e vivido de uma maneira subjetiva e profunda, e não apenas como uma paisagem a ser descrita, ou como uma série de costumes que parecem pitorescos. Sua visão resulta de um processo de integração total entre o autor e a temática, e dessa integração a linguagem é o reflexo principal. Para contar o sertão, Guimarães Rosa utiliza-se do idioma do próprio sertão, falado por Riobaldo em sua extensa e perturbadora narrativa.

Encontramos em ´Grande Sertão-Veredas´ dimensões universais da condição humana – o amor, a morte, o sofrimento, o ódio, a alegria – retratadas através das lembranças do jagunço em suas aventuras no sertão mítico, e de seu amor impossível por Diadorim.

    A Aracy, minha mulher, Ara, pertence este livro. Nota do Editor Com o objetivo de trazer a público uma nova e bem-cuidada edição das obras de João Guimarães Rosa, trabalhamos neste relançamento com duas prioridades: atendendo a uma solicitação já antiga de nossos leitores, foi elaborado um novo projeto gráfico, mais leve e arejado, permitindo uma leitura mais agradável do texto. Além disso ― e principalmente ―, procuramos também estabelecer um diálogo com antigas edições da obra de Guimarães Rosa, cuja originalidade do texto levou seus editores, algumas e já registradas vezes, a erros involuntários, sem que, infelizmente, contemos ainda com a bem-humorada acolhida desses erros pelo próprio autor, como afirmam alguns de seus críticos e amigos, entre eles Paulo Rónai. Assim, a presente edição de Grande Sertão: Veredas baseou-se no texto da 5a edição da obra, publicada em 1967, sendo feitas apenas, porque posteriores ao falecimento do escritor, as alterações de grafia decorrentes da reforma ortográfica instituída pela lei de 18 de dezembro de 1971, que aboliu o trema nos hiatos átonos, o acento circunflexo diferencial nas letras e e o da sílaba tônica de palavras homógrafas e o acento grave com que se assinalava a sílaba subtônica em vocábulos derivados com o sufixo -mente e -zinho. Quanto a outras grafias em desacordo com o formulário ortográfico vigente, manteve-se, nesta edição, aquela que o autor deixou registrada na edição-base. Utilizamos ainda outras edições tanto para corrigir variações indevidas como para insistir em outras. Essas grafias em desuso podem parecer simplesmente uma questão de atualização ortográfica, mas, se essa atualização já era exigida pela norma quando da publicação dos livros e de suas várias edições durante a vida do autor, partimos do princípio de que elas são provavelmente intencionais e devem, portanto, ser mantidas. Para justificar essa decisão, lembramos aos leitores que as antigas edições da obra de Guimarães Rosa apresentavam uma nota alertando justamente para a grafia personalíssima do autor e que algumas histórias registram a sua teimosia em acentuar determinadas palavras. Além disso, mais de uma vez em sua correspondência, ele observou que os detalhes aparentemente sem importância são fundamentais para o efeito que se quer obter das palavras. Esses acentos e grafias sem importância, em desacordo com a norma ortográfica vigente (mas a língua e eu somos um casal de amantes que juntos procriam apaixonadamente, mas a quem até hoje foi negada a bênção eclesiástica e científica), compõem um léxico literário cuja variação fonética é tão rica e irregular quanto à da linguagem viva com que o homem se define diariamente. E ousamos ainda dizer que, ao lado das, pelo menos, treze línguas que o autor conhecia e utilizava em seu processo de voltar à origem da língua, devemos colocar, em igualdade de recursos e contribuições poéticas, aquela em cujos erros vemos menos um desconhecimento e mais uma possibilidade de expressão, e por isso também terá de ser agreste ou inculto o neologista, e ainda melhor se analfabeto for. Com esse critério, a certeza de que algumas dúvidas não puderam ser resolvidas, e uma boa dose de bom senso, esperamos estar agora apresentando o resultado de um trabalho responsável e consistente, à altura do nome deste autor, por cuja presença em nossa casa nos sentimos imensamente orgulhosos.   2006 Grande Sertão: Veredas   ― Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvore, no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade. Daí, vieram me chamar. Causa dum bezerro! um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser ― se viu ―; e com máscara de cachorro. Me disseram; eu não quis avistar. Mesmo que, por defeito como nasceu, arrebitado de beiços, esse figurava rindo feito pessoa. Cara de gente, cara de cão! determinaram ― era o demo. Povo prascóvio. Mataram.
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