Um homem religioso, uma mãe depressiva, um adolescente, uma garota dona de casa, um cachorro amedrontado e dois ladrões frustrados. Esses e outros personagens são os ingredientes chave para o romance jornalístico A sangue frio, de Truman Capote. O livro é uma reportagem investigativa sobre o assassinato de quatro membros da família Clutter, o casal e seus dois filhos caçulas, ocorrido em 1959 na cidade de Holcomb, no Kansas, Estados Unidos.
A Sangue Frio – Truman Capote
A SANGUE FRIO
ParaJACK DUNPHY e HARPER LEE com toda a minha amizade e gratidão Declaração
O material contido neste livro não é produto da minha observação direta. Foi colhido em relatos oficiais ou é fruto de entrevistas com as pessoas envolvidas no caso, entrevistas essas na sua maioria bastante demoradas. Visto estes ”colaboradores” serem identificados no texto, inútil se tornaria nomeá-los; no entanto, quero exprimir-lhes a minha gratidão sincera porque, sem a sua paciente colaboração, era impossível ter levado a cabo a tarefa. Também não vou estampar aqui a lista de to
dos os cidadãos de Finney County que, embora não sejam citados nestas páginas, ofereceram ao autor deste livro uma hospitalidade e uma amizade que ele só poderá retribuir mas nunca pagar. Quero, no entanto, agradecer especialmente a certas pessoas cujo contributo para a minha obra foi de natureza muito especial. São elas: o doutor James AicCain, presidente da Universidade do Estado do Kansas; Mr. Logan Sanford, bem como todo o pessoal do Kansas Bureau of Investigation; Mr. Charles McAtee, director do Instituto Penal do Estado de Kansas; Mr, Clifford R. Hope, Jr., cuja assistência em matéria legal considero muitíssimo valiosa; finalmente e acima de todos a Mr. William Shawn, do jornal The New Yorker, que me animou a empreender este trabalho e cuja opinião me acompanhou sempre do princípio ao fim.
As últimas pessoas a vê-los
A aldeiade Holcomb fica situada no meio dos planaltos de trigo, no Oeste do Kansas, numa área isolada que os demais habitantes do estado chamam ”lá para diante”. Perto de setenta milhas a leste da fronteira do Colorado, com um céu azul intenso e um ar transparente, de deserto, possui uma atmosfera que lembra mais o Extremo Oeste do que o Médio Oeste. A pronúncia local tem um sotaque da planície, um nasalado próprio dos rancheiros, e os homens, na sua maioria, vestem calças justas de fronteiriços, chapéus de feltro de aba larga, botas de tacão alto com biqueiras aguçadas. A terra é plana e os horizontes são incrivelmente vastos; os cavalos, as manadas de gado e o branco aglomerado dos silos a erguerem-se graciosamente no céu como outros tantos templos gregos se avistam muito antes de o viajante chegar perto deles.
Também a aldeiade Holcomb se divisa a grande distância. Não que ela tenha muito que ver. É
constituída apenas por um simples e despretensioso agrupamento de edifícios, cortado ao meio pela linha do caminho-de-ferro de Santa Fé, uma terreola limitada ao sul pelo curso negro do rio Arkansas (que se diz como se escreve), a norte pela auto-estrada n. 50, e a leste e a oeste por terras planas e campos de trigo. Depois das chuvas ou quando se derrete a neve, as suas ruas de terra batida, sem nome, sem árvores a ensombrá-las, mal pavimentadas, transformam-se em nojentos canais de lama. Num dos extremos da povoação ergue-se um edifício de estuque que ostenta no telhado um reclame luminoso com a palavra - DANÇA -, porém há muito tempo que o danang fecnou e o anúncio se não acende. Perto deste fica um outro edifício que apresenta uma tabuleta não menos insólita, pintada a oiro manchado sobre uma janela suja - BANCO DE HOLCOMB.
Este fechou em 1933 e as suas salas foram transformadas em apartamentos. É um dos dois prédios de apartamentos que a terra possui, sendo o segundo um casarão desmantelado a que chamam o
”Professorado”, visto que grande parte do corpo docente da escola secundária da cidade ali vive.
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As restantes habitações de Holcomb são na sua maioria casas de um só andar, com um telheiro na frente.
Perto da estação do caminho-de ferro, uma mulher magra, vestida com um casaco de pele de búfalo, calças de cotim e botas de rancheiro, desempenha as funções de empregada dos correios num edifício a cair aos bocados. A estação oferece um aspecto igualmente melancólico, com a pintura amarela toda lascada; o Chefe, o ”Superchele” e ”El Capitan” passam lá todos os dias, mas nenhum