Lemony Snicket é um autor que não pode ser acusado de falta de franqueza. Sabe que nem todo mundo suporta as tristezas que ele conta e por isso – para que depois ninguém reclame – faz questão de avisar: “Se você esperava encontrar uma história tranqüila e alegre, lamento dizer que escolheu o livro errado. A história pode parecer animadora no início, quando os meninos Baudelaire passam o tempo em companhia de alguns répteis interessantes e de um tio alto-astral, mas não se deixem enganar…”.
Os Baudelaire têm mesmo uma incrível má sorte, mas pode-se afirmar que a vida deles seria bem mais fácil se não tivessem de enfrentar o tempo todo as armadilhas de seu arquiinimigo: o conde Olaf, um homem revoltante, gosmento e pérfido. Em Mau Começo ele deu uma pequena amostra do que é capaz de fazer para infernizar a vida de Violet, Klaus e Sunny Baudelaire – e aqui as coisas só pioram.
Caro Leitor,
Se você esperava encontrar uma história tranqüila e alegre, lamento dizer que escolheu o livro errado. A história pode parecer animadora no início, quando os meninos Baudelaire passam o tempo em companhia de alguns répteis interessantes e de um tio alto-astral, mas não se deixem enganar. Se vocês tem uma leve noção da incrível má
sorte dos irmãos Baudelaire, já sabe que, no caso deles, até mesmo acontecimentos agradáveis acabam sempre em sofrimento e desgraça.
Nas páginas que você tem em mãos, as três crianças sofrem um acidente de carro, vêem-se às voltas com uma serpente mortífera, um cheiro pavoroso, um facão enorme e o reaparecimento de uma pessoa que esperavam nunca mais ver. Infelizmente, é meu dever pôr no papel esses trágicos episódios. Mas nada impede que você coloque este livro de volta na estante e procure algo mais leve. Respeitosamente,
Lemony Snicket
Desventuras em Série
Livro segundo
A SALA DOS RÉPTEIS
de LEMONY SNICKET
Ilustrações de Brett Helquist
Tradução de Carlos Sussekind
Os personagens e situações desta obra são reais apenas no universo da ficção; não se referem a pessoas e fatos concretos, e sobre eles não emitem opinião.
Para Beatrice —
Meu amor por você viverá para sempre. Você não teve a mesma sorte.
CAPÍTULO
Um
O trecho da estrada que sai da cidade, passa pelo Porto Enevoado e vai até a aldeia vizinha de Tédia, talvez seja o mais desagradável do mundo. É chamado de Mau Caminho. O Mau Caminho atravessa campos de um cinzento doentio, em que um punhado de árvores esqueléticas produz maçãs tão ácidas que só de olhar para elas já
nos sentimos doentes. O Mau Caminho cruza o rio da Amargura, massa d'água que tem noventa por cento de lama e uma população de peixes esquálidos, apodrecendo por falta de oxigênio, e que ainda por cima circunda uma fábrica de raiz-forte, de modo que toda a área tem um cheiro ardido e avassalador.
Lamento ter de contar para vocês que a história começa com os órfãos Baudelaire avançando por essa estrada horrível, e que daqui por diante a história só vai piorar. De todas as pessoas no mundo com vidas deploráveis — e vocês bem sabem que há um bom número delas —, os jovens Baudelaire ganham o prêmio, expressão aqui usada para significar que eles passaram por mais coisas abomináveis do que qualquer outra pessoa que conheço. A infelicidade deles começou com um incêndio gigantesco que destruiu a casa em que moravam e matou seus queridos pais — tristeza suficiente capaz de durar por toda a vida, mas, no caso dessas três crianças, foi apenas o mau começo. Depois do incêndio, os irmãos foram mandados para a casa de um parente distante, o conde Olaf, um homem terrível e ganancioso. Os Baudelaire pais deixaram uma enorme fortuna que seria dos filhos quando Violet atingisse a maioridade, e o conde Olaf estava tão obcecado para pôr as mãos nesse dinheiro que arquitetou um plano diabólico que até hoje me dá pesadelos quando penso nele. Foi desmascarado em tempo, mas fugiu antes que o prendessem e jurou que ainda encontraria um jeito de se apossar da fortuna algum dia. Violet, Klaus e Sunny continuavam tendo pesadelos com os olhos de brilho fulminante do conde Olaf, com sua sobrancelha farpeada (duas-numa-só) e, mais que tudo, com a tatuagem de olho que ele tinha no tornozelo. Aquele olho parecia vigiar os órfãos Baudelaire para onde quer que eles fossem.
Devo avisá-los, portanto, que se abriram este livro com a esperança de ler que depois de tudo o que lhes aconteceu os meninos viveram felizes para sempre, o melhor é
fechar o livro e procurar outra leitura qualquer. Porque Violet, Klaus e Sunny, muito apertados num carro pequeno sem espaço para mais nada e olhando pelas janelas para o Mau Caminho, rodavam em direção a um destino ainda mais sobrecarregado de desgraças e tristezas. O rio da Amargura e a fábrica de raiz-forte eram apenas os primeiros de uma seqüência de trágicos e lamentáveis acontecimentos — cada vez que penso neles, uma lágrima ro