Sócrates é imortalizado pela lucidez e coragem com que enfrenta a morte. Condenado pela democracia ateniense, o filósofo compartilha com um grupo de discípulos sua meditação sobre o sentido da filosofia, da vida e da morte.
Neste diálogo, a filosofia é considerada reconhecimento e exercício da verdadeira natureza da alma, que sobrevive à morte do corpo. Menos do que uma doutrina acabada, Sócrates apresenta o seu percurso intelectual, explicando como empreendeu a ‘segunda navegação’ que lhe franqueou a experiência do pensamento filosófico.
Fédon (a imortalidade da alma) – Platão
Versão eletrõnica do diálogo platõnico "Fedão"Tradução: Carlos Alberto NunesCréditos da digitalização: Membros do grupo de discussão Acrópolis (Filosofia)Homepage do grupo: http://br.egroups.com/group/acropolis/A distribuição desse arquivo (e de outros baseados nele) é livre, desde que se dê os créditos da digitalização aos membros
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acima.FEDÃO1 - Estiveste tu mesmo, Fedão, junto de Sócrates no dia em que ele tomou veneno na
prisão, ou ouviste de alguém?Fedão - Não, eu mesmo, Equécrates.Equécrates - Então, que disse o homem antes de morrer? E como foi a sua morte?
Gostaria de saber tudo o que se passou. Recentemente, nenhum cidadão de Fliunte tem ido
a Atenas, e há muito não nos vêm de lá forasteiros capazes de dar-nos informações seguras,
salvo dizerem que morreu depois de tomar o veneno. Quanto ao mais, nada informam de
particular.Fedão - E também não ouviste contar como foi o julgamento?Equécrates - Ouvimos, sim; alguém nos falou nisso. Surpreendeu- nos, justamente,
ter sido bem antes o julgamento e ele só vir a morrer muito depois. Que aconteceu, Fedão?Fedão - Foi tudo obra do acaso, Equécrates, o que se passou com ele. Precisamente
na véspera do julgamento coroaram a popa do navio que os Atenienses enviam a Delo.Equécrates - Que é isso?Fedão - Segundo os Atenienses, é o navio em que outrora Teseu levou para Creta as
duas septenas de jovens, moços e moças, que ele salvou, salvando-se também. Nessa
ocasião, segundo contam, prometeram a Apolo enviar anualmente uma deputação a Delo,
no caso de se salvarem, e até hoje todos os anos vão em romaria à divindade. Desde o início
dos preparativos da viagem, determina a lei que se proceda à purificação do burgo, não
sendo permitido executar ninguém por crime público antes de chegar a Delo o navio e
retornar de lá. Por vezes esse prazo fica muito dilatado, quando os ventos são adversos. O
início da peregrinação é contado a partir do momento em que o sacerdote de Apolo coroa a
popa do navio, o que se deu, conforme disse, na véspera do julgamento. Esse o motivo de
ter estado Sócrates tanto tempo na prisão, desde o julgamento até à morte.II - Equécrates - E as condições em que morreu, Fedão? Quais foram suas palavras?
Como se houve em tudo? Quais dos seus familiares se encontravam ao seu lado? Ou as
autoridades não permitiram que entrassem, vindo ele a morrer privado de assistência dos
amigos?Fedão - De forma alguma; vários estiveram presentes; em grande número, mesmo.
Equécrates - Então, procura contar-nos com a maior exatidão possível como tudo se
passou, no caso de dispores de folga.Fedão - Disponho, sim, e vou tentar expor-vos o que se deu. Para mim, nada é tão
agradável como recordar- me de Sócrates, ou seja quando falo nele, ou quando ouço alguém
falar a seu respeito.Equécrates - Pois podes ter a certeza, Fedão, de que teus ouvintes estão nessas
mesmas condições. Esforça-te, portanto, para contar o caso com todas as minúcias.Fedão - Era por demais estranho o que eu sentia junto dele. Não podia lastimá-lo,
como o faria perto de um ente querido no transe derradeiro. O homem me parecia
felicíssimo, Equécrates, tanto nos gestos como nas palavras, reflexo exato da intrepidez e
da nobreza com que se despedia da vida. Minha impressão naquele instante foi que sua
passagem para o Hades não se dava sem disposição divina, e que, uma vez lá chegando,
sentir-se-ia tão venturoso com os que mais o foram. Por isso mesmo, não me dominou
nenhum sentimento de piedade, o que seria natural na presença de um moribundo. Também
não me sentia alegre, como costumava ficar em nossa práticas sobre filosofia. Sim, porque
toda nossa conversa girou em torno de temas filosóficos. Era um estado difícil de definir,
misto insólito de alegria e tristeza, por lembrar-me de que ele iria morrer dentro de pouco.
As mais pessoas presentes se encontravam em condições q