Depois de Tito Andrônico e Júlio césar, Shakespeare recorre mais uma vez à Roma antiga para falar à Inglaterra dos seus dias. A tragédia de Coriolano, inspirada em Plutarco, transforma o conflito político no conflito ritual do teatro, apoiando-se na História.
Na peça, a crise pessoal do herói coincide com a política, a desumanidade de Coriolano é sentida como a consumação de sua virtude, a integridade do soldade destrói a integridade do homem. A arte trágica teo coração no nosso tempo. Coriolano é apresentada na tradução da ensaísta e crítica teatral Barbara Heliodora, em edição bilíngue, fruto de trabalho conjunto com a Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa.
Coriolano – William Shakespeare
Coriolano(Coriolanus)William ShakespeareEdiçãoRidendo Castigat MoresFonte Digitalwww.jahr.org“Todas
as obras são de acesso gratuito. Estudei sempre por conta do Estado, ou
melhor, da Sociedade que paga impostos; tenho a obrigação de retribuir
ao menos uma gota do que ela me proporcionou.”Nélson Jahr Garcia (1947-2002)Versão para eBookeBooksBrasil.orgCopyleftRidendo Castigat Mores
PERSONAGENS
CAIO MÁRCIO, depois Caio Márcio Coriolano.
TITO LÁRCIO, General contra os volscos.
COMÍNIO, General contra os volscos.
MENÊNIO AGRIPA, amigo de Coriolano.
SICÍNIO VELUTO, Tribuno do povo.
JÚNIO BRUTO, Tribuno do povo,
O jovem Márcio, filho de Coriolano.
Um arauto romano.
Tulo Aufídio, general dos volscos.
Tenente de Aufídio.
Conspiradores com Aufídio.
Nicanor, um romano.
Um cidadão de Ântio.
Adriano, um volsco.
Dois guardas volscos.
VOLÚMNIA, mãe de Coriolano.
VERGÍLIA, mulher de Coriolano.
VALÉRIA, amiga de Vergília.
Damas, ao serviço de Vergília.
Senadores romanos e volscos, patrícios, edis, lictores, soldados, cidadãos, mensageiros, criados de Aufídio e outros servidores.
ATO ICena I
Entra um grupo de cidadãos amotinados, com bastões, varas e outras armas.
PRIMEIRO CIDADÃO — Antes de irmos adiante, ouvi-me.
TODOS — Falai! Falai!
PRIMEIRO CIDADÃO — Estais mesmo decididos a morrer, de preferência a passar fome?
TODOS — Estamos! Estamos!
PRIMEIRO CIDADÃO — Inicialmente, sabeis que Caio Márcio é o principal inimigo do povo.
TODOS — Sabemos! Sabemos!
PRIMEIRO CIDADÃO — Matemo-lo, portanto, e teremos trigo pelo preço que bem entendermos. Resolvido?
TODOS — A esse respeito, nem mais uma palavra. Passemos à ação. Vamos! Vamos!
SEGUNDO CIDADÃO — Uma palavra, bons cidadãos.
PRIMEIRO CIDADÃO — Somos tidos na conta de cidadãos pobres; só os
patrícios é que são bons. O que deixa fartos os dirigentes bastaria para
aliviar-nos. Se nos cedessem apenas as sobras deles, que ainda
estivessem em boas condições, poderíamos imaginar que eles nos aliviavam
humanamente. Mas acham que somos por demais caros. A magreza que nos
aflige, retrato de nossa miséria, é como que o inventário minucioso da
riqueza de todos eles. Para eles nosso sofrimento é lucro. Vinguemo-nos,
portanto, com nossos bastões, antes de ficarmos reduzidos a ripas; pois
os deuses sabem que o que me faz dizer isso é a fome de pão, não a sede
de vingança.
SEGUNDO CIDADÃO — Quereis agir especialmente contra Caio Márcio?
PRIMEIRO CIDADÃO — Contra ele em primeiro lugar; é um verdadeiro cão para o povo.
SEGUNDO CIDADÃO — Já pensastes nos serviços que ele prestou ao país?
PRIMEIRO CIDADÃO — Perfeitamente, e com muito gosto lhe faria por isso boas referências; mas ele se apaga com o próprio orgulho.
SEGUNDO CIDADÃO — Ora! falai sem maldade.
PRIMEIRO CIDADÃO — É o que vos digo. O que ele fez de glorioso foi
apenas para esse fim. Muito embora as pessoas de consciência delicada
possam dizer com suficiência que ele fez tudo isso pela pátria, fê-lo
para agradar a mãe e por causa do seu próprio orgulho, que, sem dúvida,
vai de par com seu merecimento.
SEGUNDO CIDADÃO — Considerais vício nele o que é inerente à sua natureza. Pelo menos não podereis dizer que ele seja cúpido
PRIMEIRO CIDADÃO — Se não posso dizê-lo, nem por isso fico sem
acusações contra ele. Tem defeitos de sobra, que cansaria enumerar. (Gritos ao longe.) Que gritos serão esses? O outro lado da cidade já se revoltou. E nós que fazemos aqui, a tagarelar? Ao Capitólio!
TODOS — Vamos! Vamos!
PRIMEIRO CIDADÃO — Silêncio! Quem vem aí?
(Entra Menênio Agripa.)
SEGUNDO CIDADÃO — É o digno Menênio Agripa. Sempre se mostrou amigo do povo.
PRIMEIRO CIDADÃO — É muito honesto. Quem nos dera que todos fossem como ele.
MENÊIO — Que tendes, meus concidadãos, em mira? Para onde ides com paus e cachaporras? Que se passa? Dizei-me, por obséquio.
PRIMEIRO CIDADÃO — Nossa causa não é desconhecida do senado; nestes
quinze dias eles já farejaram o que pretendemos fazer e que vamos
mostrar-lhes agora com os próp