Publicado quatro anos após sua morte em 1994, este livro é praticamente um testamento literário e filosófico do velho mestre Charles Bukowski. São trechos do seu diário selecionados por ele mesmo entre 1991 até poucos dias antes de morrer. Dramático, na medida em que mostra a aproximação do fim, O Capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio é, também, puro Bukowski: seco, cético, maldito e maravilhosamente bem escrito.
O Capitão Saiu para o Almoço e os Marinheiros Tomaram Conta do Navio – Charles Bukowski
O capitão saiu
para o almoço e os
marinheiros
tomaram
conta do navio
28/08/91 23:28
Foi um dia bom no hipódromo, quase forrei o bolso.
Mas é chato aqui, mesmo quando você está ganhando. Tem os 30 minutos entre os páreos, sua vida escorrendo para o espaço. As pessoas têm uma aparência cinzenta, gasta. E aqui estou com elas. Mas aonde mais poderia ir? A um museu de arte? Imaginem passar o dia inteiro em casa e brincar de escritor. Poderia usar um lencinho branco. Lembro de um poeta que costuma aparecer nas festas. Faltavam botões na camisa, as calças manchadas de vômito, cabelos nos olhos, sapatos desamarrados, mas usava uma longa echarpe que mantinha sempre bem limpa. Aquilo indicava que ele era um poeta. Sua obra? Esqueça...
Cheguei, nadei na piscina, e depois fui ao spa. Minha alma está a perigo. Sempre esteve.
Estava sentado no sofá com Linda, uma boa e escura noite chegando, quando bateram na porta. Linda abriu.
“É melhor você vir aqui, Hank...”
Fui até a porta, de pés descalços e roupão. Um cara loiro e jovem, uma moça gorda e uma garota de tamanho médio.
“Eles querem o seu autógrafo...”
“Eu não recebo pessoas”, disse a eles.
“Nós só queremos o seu autógrafo”, disse o loiro, “prometemos não voltar nunca mais.”
Então começou a dar risadinhas e segurar a cabeça. As garotas só ficaram olhando.
“Mas nenhum de vocês tem caneta, nem mesmo um pedaço de papel”, disse eu.
“Ah”, disse o garoto loiro, tirando as mãos da cabeça. “Voltaremos de novo com um livro! Talvez numa hora mais adequada...”
O roupão. Os pés descalços. Talvez o garoto achasse que eu era excêntrico. Talvez eu fosse.
“Não venham de manhã”, disse a eles.
Vi eles se afastarem e fechei a porta...
Agora estou aqui escrevendo sobre eles. A gente tem que ser um pouco duro, se não eles ficam aporrinhando. Tive algumas experiências terríveis abrindo aquela porta. Muitos que acham que, de alguma forma, você vai convidá-los para entrar e para beber a noite toda. Prefiro beber sozinho. Um escritor não deve nada, exceto ao seu texto. Ele não deve nada para o leitor, exceto a disponibilidade da página impressa. E, pior, muitos dos que batem à porta não são nem leitores. Só ouviram falar alguma coisa. O melhor leitor e a melhor pessoa são os que me recompensam com a sua ausência.
29/08/91 22:55
Hoje, foi devagar no hipódromo. Minha maldita vida pendurada no gancho. Vou lá todos os dias. Não encontro ninguém lá, só os funcionários. Provavelmente, tenho alguma doença. Saroyan perdeu seu rabo no hipódromo, Fante, nas cartas, e Dostoievsky, na roleta. E realmente não é uma questão de dinheiro, a não ser que você fique duro. Eu tinha um amigo jogador que dizia: “Não me importo se perco ou se ganho, só quero apostar”. Tenho mais respeito pelo dinheiro. Tive pouco na maior parte da vida. Sei o que é um banco de praça, e o proprietário bater na porta. Só existem duas coisas erradas com o dinheiro: quando é demais ou de menos.
Acho que sempre arranjamos alguma coisa para nos atormentar. E, no hipódromo, você sente as outras pessoas, a escuridão desesperada, e como jogam e desistem com facilidade. A multidão do hipódromo é o mundo em tamanho menor, a vida lutando contra a morte e perdendo. No final, ninguém ganha, buscamos apenas uma prorrogação, um momento sem ser ofuscado. (Merda, a brasa do cigarro queimou um dos meus dedos enquanto estava meditando sobre esta falta de sentido. Isto me acordou, me tirou deste estado sartriano!) Diabos, precisamos de humor, precisamos rir. Eu costumava rir mais, eu costumava fazer tudo mais, exceto escrever. Hoje, escrevo e escrevo e escrevo, quanto mais velho fico, mais escrevo, dançando com a morte. Excelente show. E acho que a coisa está boa. Um dia, dirão: “Bukowski está morto”, e daí serei verdadeiramente descoberto e pendurado em fedorentos e brilhantes postes de luz. E daí? A imortalidade é uma estúpida invenção dos vivos. Você vê o que faz o hipódromo? Faz com que o texto flua. Relâmpagos e