O milharal estava crescido e cerrado, quase a ponto de produzir. Seria possível enveredar por aquelas fileiras regulares e cheias de sombra e ter que passar o dia inteiro procurando o caminho de volta. Ali, porém, a regularidade das fileiras fora quebrada; vários talos de milho estavam quebrados e caídos para os lados. E o que seria aquilo, mais além, na sombra?
As Crianças do Milharal – Stephen King
As Crianças do Milharal - Stephen King
As Crianças do Milharal
Stephen King
Burt ligou o rádio alto demais e não diminuiu o volume porque estavam à beira de outra discussão e ela não queria que isto acontecesse.
Vicky disse alguma coisa.
- O quê? - berrou ele.
- Abaixe isso! Quer estourar-me os tímpanos?
Ele mordeu com força a resposta que lhe viera à boca e diminuiu o volume do rádio.
Vicky abanava-se com o lenço, embora o Thunderbird tivesse ar condicionado.
- Onde estamos, afinal?
- Em Nebraska.
Ela lhe lançou um olhar frio e neutro.
- Sim, Burt. Sei que estamos em Nebraska. Mas onde, diabo, estamos?
- Você tem o mapa rodoviário. Procure. Ou não sabe ler?
- Que espirituoso! Foi por isso que saímos da rodovia. Para podermos ver quinhentos quilômetros de milharais. E gozarmos do espírito e sabedoria de Burt Robeson.
Ele segurava o volante com tanta força que os nós dos dedos estavam branca. Fazia-o As Crianças do Milharal - Stephen King
porque pensava que, caso relaxasse um pouco os dedos, uma daquelas mãos simplesmente voaria do volante e acertaria a ex-Rainha do Baile do Ginásio bem no mastigador de alfafa. Estamos salvando nosso casamento, refletiu. Sim. Da mesma forma que salvamos as aldeias na guerra do Vietnã.
- Vicky - disse ele com cautela. - Dirigi dois mil e quatrocentos quilômetros nas rodovias principais desde que saímos de Boston. Dirigi o tempo todo, porque você se recusou a revezar-se comigo. Então...
- Não me recusei! - protestou Vicky com veemência. - Só porque tenho enxaqueca quando dirijo muito tempo seguido...
- Então, quando perguntei se você faria o papel de navegadora para mim em algumas das estradas secundárias, você respondeu: Claro, Burt. Foram exatamente suas palavras: Claro, Burt. Então...
- Às vezes eu fico imaginando como acabei casada com você.
- Dizendo duas pequenas palavras.
Ela o fitou por um momento, com os lábios brancos de tão apertados. Em seguida, pegou o atlas rodoviário, virando as páginas com violência.
Fora um erro sair da rodovia principal, pensou Burt sombriamente. Uma pena, também, porque até então vinham muito bem, tratando-se mutuamente quase como seres humanos. Às vezes parecia que aquela viagem à Costa Oeste, cuja finalidade ostensiva era visitar o irmão e a cunhada de Vicky, mas realmente uma última e desesperada tentativa de remendar seu casamento, ia dar certo.
Contudo, desde que haviam deixado a rodovia principal as coisas vinham piorando outra vez. Até que ponto? Bem, na verdade, até um ponto terrível.
- Saímos da rodovia em Hamburg, certo?
- Certo.
- Não há mais nada até Gatlin - disse ela. - Trinta e dois quilômetros. Aqui indica um trecho largo na estrada. Supõe que poderíamos parar ali para comer alguma coisa? Ou seu todo-poderoso cronograma de viagem nos obriga a prosseguirmos até as duas da tarde, como ontem?
Ele tirou os olhos da estrada para encará-la.
- Já estou farto, Vicky. No que me diz respeito, podemos dar a volta aqui mesmo e partir para casa, para falarmos com aquele advogado que você queria consultar. Porque nada está dando certo e..
Ela tornara a olhar para a estrada, o rosto fechado numa expressão de pedra, que de repente se transformou em surpresa e temor.
As Crianças do Milharal - Stephen King
- Burt, olhe o que está..
Ele retomou a atenção à estrada bem a tempo de ver algo desaparecer sob o Thunderbird. Um instante depois, enquanto ainda estava mudando o pé do acelerador para o freio, sentiu um solavanco horripilante sob as rodas dianteiras e, logo em seguida, sob as traseiras. Foram atirados para a frente quando o carro ficou ao longo da linha central da estrada, desacelerando de oitenta para zero ao longo de negras marcas de pneus.
- Um cão - disse ele. - Diga-me que foi um cão, Vicky.
O rosto dela estava pálido como requeijão caseiro.
- Um menino. Um garotinho. Ele saiu correndo do milharal e... parabéns, tigre.
Abriu a porta do carro com súbita afobação, debruçou-se para fora e vomitou.
Burt ficou sentado,