Nietzsche considerava Além do bem e do mal seu livro mais importante e mais abrangente. Quase todos os temas de sua obra madura estão presentes aqui – o perspectivismo, a vontade de poder e suas ramificações, a crítica da moralidade, a psicologia da religião e a definição de um tipo de homem nobre.
Além do Bem e do Mal – Prelúdio a uma Filosofia do Futuro – Friedrich Nietzsche
ALÉM DO BEM E DO MAL
ou
PRELÚDIO DE UMA FILOSOFIA DO FUTURO
1
FRIEDRICH WILHELM NIETZSCHE
ALÉM DO BEM E DO MAL
OU
PRELÚDIO DE UMA FILOSOFIA DO FUTURO
Tradução:
Márcio Pugliesi
Da Universidade de São Paulo
2
Do Original Alemão:
JENSEITS VON GUT UND BÖSE
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NOTA PRELIMINAR
Muito se tem visto em termos de introdução e prefácios a obras de filosofia. Alguns tradutores, eivados de boas intenções, mas sem formação filosófica mínima, confundem filosofia com a explanação das biografias dos autores filosóficos e apenas nisso vêem utilidade. Como se o conceito de útil tivesse grande força filosófica! Como diz o próprio Nietzsche, há demasiadas profundidades atrás de um livro, cavernas que se pospõem aos planos frontais, um requinte em máscaras e subterfúgios — precisamente, a nosso ver, para apartar as aves domésticas dos altos vôos destinados às aves de rapina.
Ouçamos o que diz Nietzsche a respeito deste seu livro em
"Ecce Homo"; parte III, "Porque escrevo bons livros".
I
"As minhas finalidades para os anos seguintes estavam fixadas com a máxima precisão. Terminada a parte afirmativa de meu objetivo, surgia agora a meta negativa, quer na palavra, quer na ação: a inversão de todos os valores que tiveram curso e vez nesse período, a guerra suprema, a evocação de um dia decisivo. Neste período efetiva-se a busca de caracteres semelhantes ao meu, pesquisa lenta e demorada, de individualidades transbordantes de energia que pudessem ajudar-me no mister de destruição. A partir de então, todas as minhas obras assemelham-se a anzóis: tenho a pretensão de entender melhor que qualquer outro dessas coisas relativas a caniços... Se a isca não foi abocanhada, a culpa não é minha.
Não havia peixe...
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II
Esta obra (l886) é, na essência, uma crítica da modernidade
— não excluídas as ciências ditas modernas, as artes modernas e até a política moderna — indicando também um tipo oposto, muito mais que moderno, um tipo nobre, afirmativo.
Neste sentido, o livro é uma "escola do cavalheiro", considerando-se esse conceito de modo mais intelectual e radical do que tem sido até agora. É necessário ter coragem no corpo, ainda que simplesmente para aceitar esta interpretação, é preciso desconhecer o medo. Todas as coisas de que se ufana nossa época são consideradas como contrárias a este tipo, quase
"modos nocivos", por exemplo, o famoso "objetivismo", a
"compaixão pelos sofredores", o "sentido histórico" com sua submissão ao gosto exótico, com sua banalidade diante dos petits laits, o "espírita científico".
Considerando que este livro é posterior em publicação ao
"Assim falava Zaratustra", talvez se chegue mesmo a determinar o regime dietético a que deve sua origem. Os olhos acostumados por um longo constrangimento a olhar agudamente para longe — Zaratustra vê mais longe que o Tzar
— vê-se forçado a lançar uma vista de olhos aguda às coisas próximas, às circunvizinhas. Em todos os detalhes e sobretudo em termos formais verificar-se-á um idêntico e voluntário alheamento dos instintos que tornaram possível a criação do Zaratustra. Nota-se a figura da forma, das intenções, da arte de calar, a psicologia é tratada com dureza e crueldade, preconcebidas, não há, em todo o livro, uma única palavra de bondade... Repouso, que poderia adivinhar que tipo de repouso exige uma dissipação de vontade como a do "Zaratustra"?
Teologicamente falando — escutai, não é fato comum que eu adote a voz do teólogo! — foi deus mesmo que, acabado seu trabalho e assumida a forma de serpente pôs-se ao pé da ciência 5
— assim descansou do cansaço de ser Deus. Fez bem... O diabo nada mais é que o ócio de deus a cada sete dias..."
Seria preciso mais?
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