A Outra História do Mensalão – Paulo Moreira Leite

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Como no inquietante Processo, romance de Franz Kafka, no limite podemos acreditar na possibilidade de sermos acusados e condenados por algo que não fizemos, ou pelo menos não fizemos na forma pela qual somos acusados. Num gesto impensável num país que em 1988 aprovou uma Constituição chamada cidadã, o STF chegou a ignorar definições explícitas da Lei Maior, como o artigo que assegura ao Congresso a prerrogativa de definir o mandato de parlamentares eleitos. As acusações, sustenta o autor, foram mais numerosas e mais audaciosas que as provas, que muitas vezes se limitaram a suspeitas e indícios sem apoio em fatos. A denúncia do “maior escândalo de corrupção da história” relatou desvios de dinheiro público mas não conseguiu encontrar dados oficiais para demonstrar a origem dos recursos. Transformou em crime eleitoral empréstimos bancários que o PT ao fim e ao cabo pagou. Culpou um acusado porque ele teria obrigação de saber o que seus ex-comandados faziam (fosse o que fosse) e embora tipificasse tais atos como de “corrupção”, ignorou os possíveis corruptores, empresários que, afinal, sempre financiaram campanhas eleitorais de todos, acusados e acusadores. Afinal, de que os condenados haviam sido acusados? De comprar votos no Congresso com dinheiro público, pagando quantias mensais aos que deveriam votar, políticos do próprio PT – o partido do governo! – e de outros partidos. Em 1997 um deputado confessou em gravação publicada pelo jornal Folha de S. Paulo que recebera R$ 200 mil para votar em emenda constitucional que daria a possibilidade de o presidente FHC ser reeleito. Mas – ao contrário do que aconteceu agora – o fato foi considerado pouco relevante e não mereceu nenhuma investigação oficial. Dois pesos, duas medidas. Independentemente do que possamos aceitar, nos limites da lei e de nossa moral, o fato é que, se crimes foram cometidos, os criminosos deveriam ter sido, sim, investigados, identificados, julgados e, se culpados, condenados na forma da lei. Que se repita: na forma da lei. É ler, refletir e julgar. Há dúvidas – infelizmente muitas – sobre se foi isso o que de fato aconteceu.

A Outra História do Mensalão – As Contradições de Um Julgamento Político – Paulo Moreira Leite

APRESENTAÇÃO Provas fracas, penas robustas Este livro reúne a maioria dos artigos que escrevi durante o julgamento do mensalão, publicados no blog “Vamos Combinar” (paulomoreiraleite.com.br). Hospedado desde 2008 no site da revista Época, agora o blog se encontra no site da IstoÉ, onde assumi a direção da sucursal de Brasília, em janeiro de 2013. Elaborados no calor dos acontecimentos, todos os textos sofreram reajustes de forma. Em alguns casos, devidamente assinalados, também fiz alterações mais relevantes de conteúdo, num esforço para incluir fatos novos que surgiram durante o julgamento. A Introdução e a Conclusão são textos inéditos. Como regra geral, a ideia foi preservar a visão original de cada momento, num esforço para entender como o julgamento evoluiu — e também como evoluiu a percepção de tantas pessoas, a começar pela minha, sobre um episódio que tantos definiram como o “maior escândalo de corrupção da história”. Com 53 sessões e quatro meses de duração, a Ação Penal 470 levou a um dos julgamentos mais longos da história do Supremo Tribunal Federal. Foi o mais midiático desde a invenção da TV — no Brasil, e possivelmente no mundo, superando mesmo o caso de O. J. Simpson, celebridade da TV americana acusada de assassinar a própria mulher. Três vezes por semana, sempre a partir das duas da tarde, suas sessões eram transmitidas, ao vivo e na íntegra, pela TV Justiça, do Poder Judiciário, e pela Globo News. À noite, uma seleção de declarações e comentários fortes ilustrava os telejornais. No dia seguinte, o assunto estava na primeira página dos jornais e, no fim de semana, nas capas das revistas semanais. Joaquim Barbosa, relator do caso, tornou-se personagem conhecido nas ruas. Máscaras de seu rosto foram lançadas para o carnaval de 2013. Nas semanas finais do julgamento, jornalistas de vários veículos especulavam sobre a hipótese de Joaquim Barbosa concorrer à Presidência da República — num país onde a oposição ao governo Lula sofreu três derrotas consecutivas desde 2002. Em dezembro, o instituto DataFolha incluiu o nome de Joaquim Barbosa numa pesquisa de intenções de voto para presidente em 2014. Joaquim recebeu 9%. No mesmo levantamento, tanto Dilma Rousseff como Luiz Inácio Lula da Silva tinham mais de 50%. A maioria dos meios de comunicação cobriu o julgamento em tom de celebração e cobrança. Quase todos consideravam que a culpa dos réus já fora demonstrada pela CPI dos Correios e pelas investigações posteriores. A versão dos acusados, que sempre se declararam inocentes, raramente foi levada em consideração. Em agosto de 2007, durante a sessão em que o plenário do Supremo recebeu a denúncia do procurador-geral Antônio Fernando de Souza, o fotógrafo Roberto Stuckert Filho, do Globo, conseguiu flagrar com sua câmara um diálogo entre Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia. Entre os trechos divulgados, Lewandovski afirma que o procurador-geral “está — corretamente — jogando para a plateia,” levando Carmen Lúcia a comentar que “é tentativa de mostrar os fatos e amarrar as situações para explicar o que a denúncia não explicou”. Quando Carmen Lúcia comenta que o ministro Eros Grau, que se aposentou em agosto de 2010, havia anunciado que “vai votar pelo não recebimento da denúncia”, Lewandowski comenta: “isso só corrobora que houve uma troca. Quer dizer que o resultado desse julgamento era mesmo importante”. O ministro prossegue, pouco depois: “Sabia que a coisa era importante, mas não que valia tanto”. (Consultor Jurídico, 23/8/2007, acessado em 23/12/2012.) O diálogo sugeriu que a aceitação da denúncia poderia ter outras considerações além do caso do mensalão, mas nada se avançou nesta direção. (Folha de S. Paulo, 30/8/2007.) Uma semana depois daquela conversa, quando a denúncia contra os quarenta réus já fora aceita, a repórter Vera Magalhães, da Folha de S. Paulo, conseguiu ouvir parte de um diálogo entre Ricardo Lewandowski, e o irmão, Marcelo. A jornalista encontrava-se no mesmo restaurante de Brasília em que Lew
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