Uma coletânea de sete contos originalmente publicados em “Crônicas de um Amor Louco” e “Fabulário Geral do Delírio Cotidiano”. O poeta dos becos imundos, dos perdedores e dos excluídos. O estranho lirismo das sarjetas, chocando e comovendo. Um realismo implacável misturado com o delírio dos bêbados. Horrível e belo, este é Bukowski, o poeta da loucura.
A Mulher Mais Linda da Cidade – Charles Bukowski
A mulher mais linda da cidade
Das 5 irmãs, Cass era a mais moça e a mais bela. E a mais linda mulher da cidade. Mestiça de índia, de corpo flexível, estranho, sinuoso que nem cobra e fogoso como os olhos: um fogaréu vivo ambulante. Espírito impaciente para romper o molde incapaz de retê-lo. Os cabelos pretos, longos e sedosos, ondulavam e balançavam ao andar. Sempre muito animada ou então deprimida, com Cass não havia esse negócio de meio-termo. Segundo alguns, era louca. Opinião de apáticos. Que jamais poderiam compreendê-la. Para os homens, parecia apenas uma máquina de fazer sexo e pouco estavam ligando para a possibilidade de que fosse maluca. E passava a vida a dançar, a namorar e beijar. Mas, salvo raras exceções, na hora agá sempre encontrava forma de sumir e deixar todo mundo na mão.
As irmãs a acusavam de desperdiçar sua beleza, de falta de tino; só que Cass não era boba e sabia muito bem o que queria: pintava, dançava, cantava, dedicava-se a trabalhos de argila e, quando alguém se feria, na carne ou no espírito, a pena que sentia era uma coisa vinda do fundo da alma. A mentalidade é que simplesmente destoava das demais: nada tinha de prática. Quando seus namorados ficavam atraídos por ela, as irmãs se enciumavam e se enfureciam, achando que não sabia aproveitá-los como mereciam. Costumava mostrar-se boazinha com os feios e revoltava-se contra os considerados bonitos – “uns frouxos”, dizia, “sem graça nenhuma. Pensam que basta ter orelhinhas perfeitas e nariz bem modelado... Tudo por fora e nada por dentro...” Quando perdia a paciência, chegava às raias da loucura; tinha um gênio que alguns qualificavam de insanidade mental.
O pai havia morrido alcoólatra e a mãe fugira de casa, abandonando as filhas. As meninas procuraram um parente, que resolveu interná-las num convento. Experiência nada interessante, sobretudo para Cass. As colegas eram muito ciumentas e teve que brigar com a maioria. Trazia marcas de lâmina de gilete por todo o braço esquerdo, de tanto se defender durante suas brigas. Guardava, inclusive, uma cicatriz indelével na face esquerda, que em vez de empanar-lhe a beleza só servia para realçá-la.
Conheci Cass uma noite no West End Bar. Fazia vários dias que tinha saído do convento. Por ser a caçula entre as irmãs, fora a última a sair. Simplesmente entrou e sentou do meu lado. Eu era provavelmente o homem mais feio da cidade – o que bem pode ter contribuído.
– Quer um drinque? – perguntei.
– Claro, por que não?
Não creio que houvesse nada de especial na conversa que tivemos essa noite. Foi mais a impressão que causava. Tinha me escolhido e ponto final. Sem a menor coação. Gostou da bebida e tomou várias doses. Não parecia ser de maior idade, mas, não sei como, ninguém se recusava a servi-la. Talvez tivesse carteira de identidade falsa, sei lá. O certo é que toda vez que voltava do toalete para sentar do meu lado, me dava uma pontada de orgulho. Não só era a mais linda mulher da cidade como também das mais belas que vi em toda a minha vida. Passei-lhe o braço pela cintura e dei-lhe um beijo.
– Me acha bonita? – perguntou.
– Lógico que acho, mas não é só isso... é mais que uma simples questão de beleza...
– As pessoas sempre me acusam de ser bonita. Acha mesmo que eu sou?
– Bonita não é bem o termo, e nem te faz justiça.
Cass meteu a mão na bolsa. Julguei que estivesse procurando um lenço. Mas tirou um longo grampo de chapéu. Antes que pudesse impedir, já tinha espetado o tal grampo, de lado, na ponta do nariz. Senti asco e horror.
Ela me olhou e riu.
– E agora, ainda me acha bonita? O que é que você acha agora, cara?
Puxei o grampo, estancando o sangue com o lenço que trazia no bolso. Diversas pessoas, inclusive o sujeito que atendia no balcão, tinham assistido à cena. Ele veio até a mesa:
– Olha – disse para Cass –, se fizer isso de novo, vai ter que dar o fora. Aqui ninguém gosta de drama.
– Ah, vai te foder, cara!
– É melhor não dar mais bebida pra ela – aconselhou o sujeito.
– Não tem per