Num futuro não muito distante, o planeta encontra-se totalmente devastado. As cidades foram transformadas em ruínas e pó, as florestas se transformaram em cinzas, os céus ficaram turvos com a fuligem e os mares se tornaram estéreis. Os poucos sobreviventes vagam em bandos. Um homem e seu filho não possuem praticamente nada. Apenas uns cobertores puídos, um carrinho de compras com poucos alimentos e um revólver com algumas balas, para se defender de grupos de assassinos. Estão em farrapos e com os rostos cobertos por panos para se proteger da fuligem que preenche o ar e recobre a paisagem. Eles buscam a salvação e tentam fugir do frio, sem saber, no entanto, o que encontrarão no final da viagem. Essa jornada é a única coisa que pode mantê-los unidos, que pode lhes dar um pouco de força para continuar a sobreviver.
A Estrada – Cormac McCarthy
Cormac McCarthy
A ESTRADA
Tradução Adriana Lisboa
© 2006, Cormac McCarthy
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Título original The Road
Revisão
Ana Kronemberger
Marcelo Magalhães
Raquel Crillo
Editoração eletrônica Abreus System Ltda.
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
Ml 15e
McCarthy, Cormac
A estrada / Cormac McCarthy ; tradução de Adriana Lisboa. - Rio de Janeiro : Objetiva, 2007.
234 p. ISBN 978-85-60281 -26-8
Tradução de : The Road
1. Pais e filhos - Ficção. 2. Ficção americana. I. Lisboa, Adriana. II. Título.
07-2756. CDD: 813
CDU: 821.111 (73)-3
Quando ele acordava na floresta no escuro e no frio da noite, estendia o braço para tocar a criança adormecida ao seu lado. Noites escuras para além da escuridão e cada um dos dias mais cinzento do que o anterior. Como o início de um glaucoma frio que apagava progressivamente o mundo. Sua mão subia e descia de leve com cada preciosa respiração. Removeu a lona de plástico e se levantou em meio às roupas e cobertas fedorentas e olhou para o leste em busca de alguma luz, mas não havia nenhuma. No sonho do qual acordara ele andava a esmo numa caverna onde a criança o levava pela mão. A luz deles brincando sobre as paredes úmidas de rocha calcária. Como peregrinos numa fábula engolidos e perdidos nas entranhas de alguma besta de granito. Buracos profundos na pedra onde a água gotejava e cantava. Contando no silêncio os minutos da terra e suas horas e dias e os anos sem cessar. Até eles se encontrarem num grande salão de pedra onde havia um lago negro e antigo. E na outra margem uma criatura que erguia sua boca gotejante do poço de pedra calcária e fitava a luz com olhos brancos e mortiços, cegos como os olhos das aranhas. Esticou a cabeça sobre a água como se tentasse sentir o cheiro daquilo que não podia ver. Agachada ali pálida e nua e translúcida, seus ossos de alabastro projetados em sombras nas rochas atrás dela. Seus intestinos, seu coração palpitante. O cérebro que pulsava num sino de vidro fosco. Balançava a cabeça para um lado e para o outro, depois soltou um gemido baixo e se virou e se afastou com uma guinada e correu sem fazer barulho para dentro da escuridão.
Com a primeira luz cinzenta ele se levantou e deixou o menino dormindo e caminhou até a estrada e se agachou e estudou a região que ficava ao sul. Árida, silenciosa, sem deus. Ele achava que o mês era outubro, mas não tinha certeza. Fazia anos que não tinha um calendário. Estavam seguindo para o sul. Não haveria como sobreviver a mais um inverno ali.
Quando havia luz suficiente para usar o binóculo ele observou o vale lá embaixo. Tudo empalidecendo na névoa. As cinzas macias voando em espirais vagas sobre o asfalto. Ele examinava o que conseguia ver. Os pedaços da estrada lá embaixo em meio a árvores mortas. Procurando alguma cor. Algum movimento. Algum traço de fumaça subindo no ar. Abaixou o binóculo e puxou para baixo a máscara de algodão que estava sobre seu rosto, limpou o nariz nas costas do punho e em seguida percorreu a região com o binóculo novamente. Depois apenas ficou sentado ali segurando o binóculo e observando a luz cinzenta do dia se solidificar sobre a terra. Sabia apenas que a criança era sua garantia. Disse: Se ele não é a palavra de Deus, Deus nunca falou.
Quando voltou o menino ainda estava adormecido. Puxou a lona de plástico azul de cima dele, dobrou-a e a carregou até o carrinho de supermercado, guardou-a e voltou com seus pratos e alguns bolos de fubá numa bolsa de plástico e uma garrafa plástica com xarope. Estendeu no chão a pequena lona que usavam como mesa e dispôs tudo e tirou o revólver do cinto e o colocou sobre o pano e depois ficou apenas sentado observando o menino dormir. Ele havia arrancado a máscara durante a noite e estava enterrado