O livro, baseado em mais de quarenta entrevistas com Jobs ao longo de dois anos – e entrevistas com mais de cem familiares, amigos, colegas, adversários e concorrentes -, narra a vida atribulada do empresário extremamente inventivo e de personalidade forte e polêmica, cuja paixão pela perfeição e cuja energia indomável revolucionaram seis grandes indústrias: a computação pessoal, o cinema de animação, a música, a telefonia celular, a computação em tablet e a edição digital. Numa época em que as sociedades de todo o mundo tentam construir uma economia da era digital, Jobs se destaca como o símbolo máximo da criatividade e da imaginação aplicada à prática.
Embora tenha cooperado com esta obra, Jobs não pediu nenhum tipo de controle sobre o conteúdo, nem mesmo o direito de lê-lo antes de ser publicado.
Não estabeleceu nenhum limite: pelo contrário, incentivou seus conhecidos a falarem com franqueza. “Fiz muitas coisas que não acho louváveis, como ter engravidado minha namorada aos 23 anos de idade e a maneira como encaminhei a questão”, disse ele. “Mas não tenho nenhum segredo a esconder.” Jobs fala com franqueza, e às vezes com brutalidade, sobre os companheiros de trabalho e os concorrentes. Do mesmo modo, seus amigos, inimigos e colegas apresentam um painel com as paixões, os demônios, o perfeccionismo, os desejos, o talento artístico, as manias e a obsessão controladora que formaram sua atitude empresarial e os produtos inovadores que criou. Jobs é capaz de levar à fúria e ao desespero quem está perto dele. Mas a personalidade e os produtos, assim como um hardware e um software da Apple, estão unidos num mesmo sistema integrado. Sua história é ao mesmo tempo uma lição e uma advertência, e ilustra a capacidade de inovação e de liderança, o caráter e os valores de um homem que ajudou a construir o futuro.
Introdução
Como nasceu este livro
No início do verão de 2004, recebi um telefonema
de Steve Jobs. Ao longo dos anos, se aproximou
amistosamente de mim de maneira intermitente, com
arroubos ocasionais de intensidade, em especial
quando lançava um novo produto que queria na capa
da Time ou em programa da cnn, lugares em que eu
trabalhava. Mas, agora que eu já não estava em
nenhum desses lugares, não tinha notícias dele com
frequência. Conversamos um pouco sobre o Aspen
Institute, no qual eu acabara de ingressar, e o convidei
para falar no nosso campus de verão no Colorado. Ele
disse que adoraria ir, mas não queria subir no palco.
Na verdade, preferia caminhar comigo para conversar.
Isso me pareceu um pouco estranho. Eu ainda
não sabia que dar uma longa caminhada era sua forma
preferida de ter uma conversa séria. No fim das contas,
ele queria que eu escrevesse sua biografia. Eu havia
publicado recentemente uma biografia de Benjamin
Franklin e estava escrevendo outra sobre Albert
Einstein, e minha reação inicial foi perguntar, meio de
brincadeira, se ele se considerava o sucessor natural
nessa sequência. Supondo que ele estava no meio de
uma carreira oscilante, que ainda tinha muitos altos e
baixos pela frente, hesitei. Não agora, eu disse. Talvez
dentro de uma década ou duas, quando você se
aposentar.
Eu o conhecia desde 1984, quando ele foi ao
edifício da Time-Life, em Manhattan, para almoçar com
editores e exaltar seu novo Macintosh. Já então era
petulante, e atacou um correspondente da Time por tê-
Walter Isaacson - Steve Jobs 1
lo atingido com uma história que era muito reveladora.
Mas, conversando com ele depois, acabei cativado,
como tantos outros o foram ao longo dos anos, por sua
intensidade envolvente. Ficamos em contato, mesmo
depois que foi expulso da Apple. Quando ele tinha algo
novo para vender, como um computador da NeXT ou
filme da Pixar, o raio de seu charme voltava de repente
a cair sobre mim, e ele me levava a um restaurante
japonês do sul de Manhattan para me contar que o
produto que estava divulgando era a melhor coisa que
já havia produzido. Eu gostava dele.
Quando Jobs foi restaurado no trono da Apple,
nós o pusemos na capa da Time, e logo depois ele
começou a me oferecer suas ideias para uma série que
estávamos fazendo sobre as pessoas mais influentes
do século. Ele havia lançado a campanha “Pense
diferente”, com fotos icônicas de algumas das mesmas
pessoas que estávamos examinando, e achou
fascinante o trabalho de avaliar a influência histórica.
Depois que me esquivei da sugestão de escrever
sua biografia, tive notícias esporádicas dele. A certa
altura, enviei-lhe um e-mail para perguntar se era
verdade, como minha filha me havia dito, que o
logotipo da Apple era uma homenagem a Alan Turing,
o pioneiro britânico da computação que decifrou os
códigos alemães durante a guerra e depois se suicidou
mordendo uma maçã envenenada com cianeto. Ele
respondeu que gostaria de ter pensado nisso, mas não
tinha. Isso deu início a uma troca de mensagens sobre
o começo da história da Apple, e me vi reunindo
informações sobre o assunto, caso decidisse um dia
fazer o tal livro. Quando saiu minha biografia de
Einstein, Jobs foi a um lançamento em Palo Alto e
voltou a sugerir que ele seria um bom tema.
Sua persistência me deixou perplexo. Jobs era
conhecido por defender sua privacidade, e eu não
Walter Isaacson - Steve Jobs 2
tinha motivo para crer que ele lera qualquer um dos
meus livros. Talvez um dia, continuei a dizer. Mas em
2009 sua esposa, Laurene Powell, disse sem rodeios:
“Se você pretende fazer um livro sobre Steve, é melhor
fazer agora”. Ele havia acabado de tirar uma segunda
licença médica. Confessei-lhe que, quando Jobs
aventara a ideia pela primeira vez, eu não sabia que
ele estava doente. Quase ninguém sabia, ela disse. Ele
havia me chamado pouco antes de ser operado de
câncer, e ainda estava mantendo isso em segredo,
explicou.
Decidi então escrever este livro. Jobs
surpreendeu-me ao admitir prontamente que não teria
controle sobre a obra, nem mesmo o direito de vê-la
com antecedência. “O livro é seu”, disse. “Não vou nem
lê-lo.” Porém, mais tarde, naquele outono, ele me
pareceu ter reconsiderado a cooperação e, embora eu
não soubesse, fora atingido por outra rodada de
complicações do câncer. Parou de retornar minhas
ligações, e eu deixei o projeto de lado por um tempo.
Então, inesperadamente, ele me telefonou no fim
da tarde da véspera do Ano-Novo de 2009. Estava em
sua casa, em Palo Alto, apenas com a irmã, a escritora
Mona Simpson. A esposa e os três filhos haviam saído
numa rápida viagem para esquiar, mas sua saúde não
permitia que os acompanhasse. Estava reflexivo e
falou por mais de uma hora. Começou por recordar
como queria construir um contador de frequência
quando tinha doze anos e foi capaz de procurar na lista
telefônica o nome de Bill Hewlett, o fundador da hp, e
ligar para ele para obter peças. Jobs disse que seus
últimos doze anos, desde o retorno para a Apple,
haviam sido os mais produtivos na criação de novos
produtos. Mas seu objetivo mais importante, disse, era
fazer o que Hewlett e seu amigo David Packard haviam
feito, a saber, criar uma companhia tão imbuída de
Walter Isaacson - Steve Jobs 3
criatividade inovadora que sobreviveria a eles.
“Quando garoto, sempre pensei em mim como
alguém ligado em humanidades, mas eu gostava de
eletrônica”, contou. “Então li algo que um dos meus
heróis, Edwin Land, da Polaroid, disse sobre a
importância de pessoas capazes de estar na
interseção entre as humanidades e as ciências, e
decidi que era isso o que eu queria fazer.” Era como se
ele estivesse sugerindo temas para a biografia (e,
nesse caso, pelo menos, o tema acabou por se mostrar
válido). A criatividade que pode surgir quando o talento
para as humanidades se une ao talento para as
ciências em uma personalidade forte foi o tema que
mais me interessou em minhas biografias de Franklin e
Einstein, e creio que será fundamental para a criação
de economias inovadoras no século xxi.
Perguntei a Jobs por que queria que fosse eu o
autor de sua biografia. “Acho que você é bom em fazer
as pessoas falarem”, ele explicou. Foi uma resposta
inesperada. Eu sabia que teria de entrevistar dezenas
de pessoas que ele havia demitido, maltratado,
abandonado ou enfurecido, e temia que ele não se
sentisse confortável com o fato de eu fazê-las falar. E,
com efeito, ele ficava inquieto quando tinha notícia de
quem eu estava entrevistando. Mas, depois de alguns
meses, começou a incentivar as pessoas a conversar
comigo, até mesmo inimigos e ex-namoradas. Também
não tentou interditar nada. “Fiz um monte de coisas de
que não me orgulho, como engravidar minha
namorada quando tinha 23 anos e o jeito como lidei
com isso. Mas não tenho nenhum esqueleto no armário
que não possa ser autorizado a sair”, resumiu.
Acabei fazendo cerca de quarenta entrevistas
com Jobs: algumas formais em sua sala de estar em
Palo Alto; outras durante longas caminhadas e viagens
de automóvel, ou por telefone. Durante meus dezoito
Walter Isaacson - Steve Jobs 4
meses de visitas, ele se tornou cada vez mais íntimo e
revelador, embora, às vezes, eu tenha testemunhado o
que seus colegas veteranos da Apple costumavam
chamar de seu campo de distorção da realidade. Às
vezes, era a inadvertida falha de células da memória
que acontece com todos nós; em outros momentos ele
torcia sua versão da realidade, tanto para mim como
para si mesmo. Para verificar e comprovar sua história,
entrevistei mais de uma centena de amigos, parentes,
concorrentes, adversários e colegas.
Sua esposa, Laurene, que ajudou a facilitar este
projeto, também não impôs nenhuma restrição ou
controle, nem pediu para ver de antemão o que eu iria
publicar. Na verdade, ela me estimulou muito a ser
honesto sobre as falhas de Jobs, bem como sobre seus
pontos fortes. Ela é uma das pessoas mais inteligentes
e equilibradas que já conheci. “Há partes da vida e da
personalidade dele que são extremamente confusas, e
essa é a verdade”, ela me disse logo no início. “Você
não deve encobrir isso. Ele é bom em torcer os fatos,
mas também tem uma história notável, e eu gostaria
que tudo fosse contado honestamente.”
Deixo para o leitor avaliar se obtive sucesso
nessa missão. Tenho certeza de que existem atores
nesse drama que se lembrarão de alguns dos
acontecimentos de forma diferente ou pensarão que
fiquei às vezes preso no campo de distorção de Jobs.
Tal como aconteceu quando escrevi um livro sobre
Henry Kissinger, que de certa forma foi uma boa
preparação para este projeto, descobri que as pessoas
tinham emoções positivas e negativas tão fortes em
relação a Jobs que o efeito Rashomon*
ficou muitas
vezes evidente. Mas fiz o melhor que pude para tentar
equilibrar as narrativas conflitantes de forma justa e ser
transparente sobre as fontes que utilizei.
Walter Isaacson - Steve Jobs 5
Este é um livro sobre a vida de altos e baixos e a
personalidade intensa e abrasadora de um
empreendedor criativo, cuja paixão pela perfeição e
cujo ímpeto feroz revolucionaram seis indústrias:
computadores pessoais, filmes de animação, música,
telefones, tablets e publicação digital. Pode-se até
acrescentar uma sétima: lojas de varejo, que Jobs não
chegou bem a revolucionar, mas que repensou. Além
disso, ele abriu o caminho para um novo mercado de
conteúdo digital com base em aplicativos e não apenas
em websites. Ao longo do caminho, não somente criou
produtos transformadores, mas também, em sua
segunda tentativa, uma empresa duradoura, dotada de
seu dna, que está cheia de designers criativos e
engenheiros intrépidos que poderiam levar adiante sua
visão.
Espero que este seja também um livro sobre
inovação. No momento em que os Estados Unidos
buscam maneiras para sustentar sua vantagem
inovadora, e quando as sociedades de todo o mundo
tentam construir economias criativas da era digital,
Jobs se destaca como o ícone máximo da
inventividade, imaginação e inovação sustentada. Ele
sabia que a melhor maneira de criar valor no século xxi
era conectar criatividade com tecnologia, então
construiu uma empresa onde saltos de imaginação
foram combinados com notáveis façanhas de
engenharia. Ele e seus colegas da Apple foram
capazes de pensar de forma diferente: não
desenvolveram apenas avanços modestos de produtos
focados em certos grupos, mas toda uma série de
aparelhos e serviços de que os consumidores ainda
não sabiam que precisavam.
Jobs não era um modelo de chefe ou ser humano,
bem empacotado para emulação. Impulsionado por
demônios, era capaz de levar as pessoas próximas à
Walter Isaacson - Steve Jobs 6
fúria e ao desespero. Mas sua personalidade, suas
paixões e seus produtos estavam todos inter-
relacionados, assim como tendiam a ser os hardwares
e os softwares da Apple, como se fizessem parte de um
sistema integrado. Desse modo, sua história é tanto
instrutiva quanto admonitória, cheia de lições sobre
inovação, caráter, liderança e valores.
Henrique V, de Shakespeare — a história de um
príncipe teimoso e imaturo que se torna um rei
apaixonado mas sensível, cruel mas sentimental,
inspirador mas falho —, começa com uma exortação:
“Que uma musa de fogo aqui pudesse/ ascender ao
céu mais brilhante da invenção!”. Para o príncipe Hal,
as coisas eram mais simples: ele só tinha de lidar com
o legado de um único pai. Para Steve Jobs, a ascensão
ao céu mais brilhante de invenção começa com uma
história de dois pares de pais e do crescimento num
vale que estava começando a aprender a transformar
silício em ouro.
* Título de um filme de Akira Kurosawa, de 1950,
em que o mesmo evento é narrado de forma divergente
por quatro testemunhas. (N. T.)