A paixão de um homem por livros raros e manuscritos literários é o fio condutor de Sobretudo de Proust, de Lorenza Foschini. A autora retrata um personagem real, o francês Jacques Guérin, magnata dos perfumes que era obcecado pelo trabalho do escritor Marcel Proust. Graças a Jacques Guérin, parte da memória de Proust foi preservada. Fotos, cartas, desenhos, bilhetes, rascunhos e versões de obras como Em Busca do Tempo Perdido chegaram ao século XXI e podem ser admirados por quem lhes dá valor. Por mais de meio século, Jacques manteve escondidos seus tesouros. Morto em 6 de agosto de 2000, ele começou a vender sua extraordinária coleção oito anos antes. Uma réplica do quarto de Marcel Proust, com móveis e objetos doados por Guérin pode ser vista no Museu Carnavalet, com a mesma arrumação que tinham no apartamento onde o escritor passou seus últimos anos. O emblemático sobretudo, entretanto, não está em condições de ser exposto e permanece guardado em uma caixa.
Sobretudo de Proust – Lorenza Foschini
Lorenza Foschini
SOBRETUDO
DE
PROUST
História de
uma obsessão literária
Tradução de Mario Fondelli
Título original
IL CAPPOTTO DI PROUST
Copyright © 2010 by Lorenza Foschini
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Fotografias: cortesia da autora.
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Preparação de originais
CARLOS NOUGUÉ
Conversão para E-book
Freitas Bastos
Ilustração de capa: Emmanuel Pierre
Foto de Marcel Proust: Granger Collection, Nova York
Design de capa: Allison Saltzman
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE.
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
F854s
Foschini, Lorenza
Sobretudo de Proust [recurso eletrônico]: história de uma obsessão literária / Lorenza Foschini; tradução de Mario Fondelli. – Rio de Janeiro: Rocco Digital, 2012.
recurso digital
Tradução de: Il cappotto di Proust
Formato: e-Pub
Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions
Modo de acesso: World Wide Web
ISBN 978-85-8122-134-2 (recurso eletrônico)
1. Proust, Marcel, 1871-1922. 2. Guérin, Jacques. 3. Escritores franceses – Biografia. 4. Livros eletrônicos. I. Título.
12-6489 CDD–848 CDU–821.133.1-94
Para a minha família
uma bizarra história de família
Prólogo
Este não é um conto imaginário; tudo aquilo que nele é descrito realmente aconteceu. Os protagonistas desta história existiram de verdade. Mas, ao reconstituir os acontecimentos, ao ler as cartas, na hora de conhecer mais de perto as pessoas que os viveram, descobri a importância que até os mínimos detalhes podem ter. Objetos sem valor, móveis de gosto duvidoso, até mesmo um velho sobretudo puído. As coisas mais comuns, com efeito, podem revelar cenários de inesperada paixão.
I
Le beau est toujours bizarre
CHARLES BAUDELAIRE
Pegam a caixa de papelão. Puxam-na para fora e começam a baixá-la com cuidado, mas com desinteressada isenção, como se exumar aquelas pobres coisas não fosse tarefa deles. Eu estou ali, de pé, no grande aposento iluminado pela luz fria do neon. Como um parente chamado a reconhecer o cadáver de um ente querido.
Colocam a caixa em cima da mesa no meio da sala. Levantam a tampa e, de repente, o cheiro de cânfora e naftalina invade as minhas narinas. Logo a seguir, monsieur Bruson e o ajudante parecem ficar vestidos de branco, dois fantasmas gesticuladores, de braços levantados, abanando cândidas folhas de papel.
Aproximo-me devagar, dando curtos passos. Chego perto da mesa, sorrindo de constrangimento. O sobretudo está diante de mim, acomodado no fundo da caixa, em cima de uma folha branca que quase parece um lençol, enrijecido pelo forro de papel que a preenche: parece realmente vestir um morto. Das mangas, elas também estofadas, saem tufos de papel de seda. Debruço-me mais, curvando-me em cima da tampa de metal onde está colocada a caixa, tenho a impressão de estar vendo um boneco sem cabeça e sem mãos. Cheio, corpulento, de barriga saliente.
Sinto-me constrangida devido à presença de monsieur Bruson, que, com ar educado, procura não olhar ostensivamente para mim. Mas, eu sei, de soslaio continua me espiando com curiosidade.
Não conseguindo resistir, passo de leve a mão na lã cinza-rolinha, puída, gasta na bainha da lapela.
É um sobretudo trespassado na frente, fechado por uma dupla fileira de botões que alguém mais magro, no entanto, tirou da posição original. Dá para ver que o fecho ficou mais apertado, mas ainda são visíveis as marcas de onde os botões haviam sido antes costurados. Um buraco assinala a falta do botão que devia fechar o colarinho, e na lapela de pele preta está presa, com linha vermelha, uma etiqueta branca. Seguro-a, não há nada escrito. Desabotoo o sobretudo em busca de alguma pista, o nome da loja ou do alfaiate, nada.
Torno-me atrevida, revi