Poirot está se preparando para sua primeira travessia transatlântica. O destino? A América Latina, mais precisamente o Rio. Mas pouco antes de embarcar, um homem invade a casa do investigador. O intruso se comporta como um louco, chamando por Poirot, rabiscando febrilmente o número 4 e balbuciando palavras desconexas. Até que, como num transe, começa a falar sobre os Quatro Grandes. Mas quem são eles? Uma organização clandestina? Hercule Poirot se vê em meio a uma intriga internacional, que envolve armas secretas, sequestros, laboratórios subterrâneos e fugas de tirar o fôlego.
Os Quatro Grandes – Agatha Christie
Capítulo 8
No covil do inimigo
Depois de nossa aventura na casa de campo em Passy, retornamos com grande açodamento a Londres. Várias cartas esperavam por Poirot. Leu uma delas com um sorriso curioso e então a entregou para mim.
– Leia isto, mon ami.
Li primeiro a assinatura, “Abe Ryland”, e lembrei das palavras de Poirot: “o homem mais rico do mundo”. A carta do sr. Ryland era curta e incisiva. Expressava profunda insatisfação com a desculpa que Poirot dera para desistir na última hora da proposta sul-americana.
– Isso nos faz matutar bastante, não acha? – disse Poirot.
– Acho que é natural ele estar um tanto incomodado.
– Não, não, você não entende. Lembre-se das palavras de Mayerling, o homem que se refugiou aqui... só para acabar morrendo nas mãos dos inimigos dele. “Número Dois é representado por um ‘S’ com dois traços verticais, o sinal de um dólar, e também por duas listras e uma estrela. Portanto, pode-se deduzir que ele é um indivíduo norte-americano e que representa o poder econômico.” Acrescente a essas palavras o fato de que Ryland me ofereceu uma imensa quantia para me fazer cair em tentação e sair de Londres... o que você acha, Hastings?
– Se eu entendi – disse eu, mirando Poirot –, você suspeita que Abe Ryland, o multimilionário, seja o Número Dois dos Quatro Grandes?
– Seu intelecto brilhante captou a ideia, Hastings. Sim, suspeito. O tom em que você falou multimilionário foi eloquente, mas deixe-me enfatizar um fato: essa coisa é comandada por homens do alto escalão, e o sr. Ryland tem fama de não ser flor que se cheire quando o assunto é negócio. É um líder habilidoso e inescrupuloso; um empresário com toda a riqueza ao seu dispor e em busca de poder ilimitado.
Sem dúvida, o ponto de vista de Poirot tinha certa lógica. Perguntei-lhe quando ele se convencera sobre o assunto.
– Mas é justamente isso. Não tenho certeza de nada. Não há como ter certeza. Mon ami, faria qualquer coisa para saber. Mas neste meio-tempo deixe-me colocar Abe Ryland como nosso definitivo Número Dois. Assim, nos aproximamos de nosso objetivo.
– Ele chegou há pouco em Londres, vejo por isso – disse eu, dando um peteleco na carta. – Por que não o chama e lhe apresenta as desculpas em pessoa?
– Talvez faça isso.
Dois dias depois, Poirot voltou a nossos aposentos em estado de agitação infinita. Não era comum vê-lo daquele jeito tão impulsivo. Agarrou-me pelas duas mãos.
– Meu amigo, surgiu uma tremenda oportunidade! Algo sem precedentes, que nunca vai se repetir! Mas há perigo, perigo real. Não deveria nem pedir a você.
Se Poirot tentava me assustar, seguia o caminho errado. Deixei isso bem claro. Tornando-se menos incoerente, ele revelou seu plano.
Parecia que Ryland procurava um secretário britânico, com boa presença e bem articulado. Poirot sugeria que eu me candidatasse ao cargo.
– Eu mesmo o faria, mon ami – explicou, desculpando-se. – Mas, sabe, para mim é quase impossível me disfarçar de modo eficiente. Falo inglês muito bem (exceto quando estou empolgado), mas é difícil esconder o sotaque. Além do mais, ainda que sacrificasse meu bigode, duvido que mesmo sem ele eu não seria reconhecido como Hercule Poirot.
Duvidei também e me declarei pronto e desejoso de assumir o papel e penetrar nos domínios de Ryland.
– Aposto que ele não vai me contratar mesmo – observei.
– Ah, vai sim. Com a carta de recomendação que vou providenciar, ele vai ficar lambendo os beiços: assinada pelo ministro do Interior em pessoa.
Pareceu-me um certo exagero, mas Poirot não aceitou minhas objeções.
– Ah, vai sim. A pedido dele, uma vez investiguei um probleminha que poderia ter causado um grave escândalo. Tudo foi solucionado com classe e discrição. Agora, como se diz, ele está comendo na minha mão.
Nosso primeiro passo foi contratar os serviços de um artista do “disfarce”. Era um homenzinho de esquisita conformação craniana, lembrando a de um pássaro, não muito diferente da de Poirot. Sem falar nada, avaliou-me da cabeça aos pés e então colocou m