Toda Poesia – Paulo Leminski

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Paulo Leminski foi corajoso o bastante para se equilibrar entre duas enormes onstruções que rivalizavam na década de 1970, quando publicava seus primeiros versos: a poesia concreta, de feição mais erudita e superinformada, e a lírica que florescia entre os jovens de vinte e poucos anos da chamada “geração mimeógrafo”. Ao conciliar a rigidez da construção formal e o mais genuíno coloquialismo, o autor praticou ao longo de sua vida um jogo de gato e rato com leitores e críticos. Se por um lado tinha pleno conhecimento do que se produzira de melhor na poesia – do Ocidente e do Oriente -, por outro parecia comprazer-se em mostrar um “à vontade” que não raro beirava o improviso, dando um nó na cabeça dos mais conservadores. Pura artimanha de um poeta consciente e dotado das melhores ferramentas para escrever versos. Entre sua estreia na poesia, em 1976, e sua morte, em 1989, a poucos meses de completar 45 anos, Leminski iria ocupar uma zona fronteiriça única na poesia contemporânea brasileira, pela qual transitariam, de forma legítima ou como contrabando, o erudito e o pop, o ultraconcentrado e a matéria mais prosaica. Não à toa, um dos títulos mais felizes de sua bibliografia é Caprichos & relaxos: uma fórmula e um programa poético encapsulados com maestria. Este volume percorre, pela primeira vez, a trajetória poética completa do autor curitibano, mestre do verso lapidar e da astúcia. Livros hoje clássicos como Distraídos venceremos e La vie en close, além de raridades como Quarenta clics em Curitiba e versos já fora de catálogo estão agora novamente à disposição dos leitores, com inédito apuro editorial. O haikai, a poesia concreta, o poema-piada oswaldiano, o slogan e a canção – nada parece ter escapado ao “samurai malandro”, que demonstra, com beleza e vigor, por que tem sido um dos poetas brasileiros mais lidos e celebrados das últimas décadas. Com apresentação da poeta (e sua companheira por duas décadas) Alice Ruiz S, posfácio do crítico e compositor José Miguel Wisnik, e um apêndice que reúne textos de, entre outros, Caetano Veloso, Haroldo de Campos e Leyla Perrone-Moisés, Toda poesia é uma verdadeira aventura – para a inteligência e a sensibilidade.

Toda Poesia – Paulo Leminski

caprichos & relaxos (saques, piques, toques & baques) de como o polaco jan korneziowsky botou a persona/fantasia de joseph conrad e virou lord jim/childe harold um dia desses quero ser um grande poeta inglês do século passado dizer ó céu ó mar ó clã ó destino lutar na índia em 1866 e sumir num naufrágio clandestino contranarciso em mim eu vejo o outro e outro e outro enfim dezenas trens passando vagões cheios de gente centenas o outro que há em mim é você você e você assim como eu estou em você eu estou nele em nós e só quando estamos em nós estamos em paz mesmo que estejamos a sós o p que no pequeno & se esconde eu sei por q só não sei onde nem e sobre a mesa vazia abro a toalha limpa a mente tranquila palavra mais linda aqui se acaba a noite mais braba a que não queria virar puro dia somos um outro um deus, enfim, está conosco cesta feira oxalá estejam limpas as roupas brancas de sexta as roupas brancas da cesta oxalá teu dia de festa cesta cheia feito uma lua toda feita de lua cheia no branco lindo teu amor teu ódio tremeluzindo se manifesta tua pompa tanta festa tanta roupa na cesta cheia de sexta oxalá estejam limpas as roupas brancas de sexta oxalá teu dia de festa mesmo na idade de virar eu mesmo ainda confundo felicidade com este nervosismo eu quando olho nos olhos sei quando uma pessoa está por dentro ou está por fora quem está por fora não segura um olhar que demora de dentro do meu centro este poema me olha desmontando o frevo desmontando o brinquedo eu descobri que o frevo tem muito a ver com certo jeito mestiço de ser um jeito misto de querer isto e aquilo sem nunca estar tranquilo com aquilo nem com isto de ser meio e meio ser sem deixar de ser inteiro e nem por isso desistir de ser completo mistério eu quero ser o janeiro a chegar em fevereiro fazendo o frevo que eu quero chegar na frente em primeiro aves de ramo em ramo meu pensamento de rima em rima erra até uma que diz te amo das coisas que eu fiz a metro todos saberão quantos quilômetros são aquelas em centímetros sentimentos mínimos ímpetos infinitos não? girafas africanas como meus avós quem me dera ver o mundo tão do alto quanto vós Quem nasce com coração? Coração tem que ser feito. Já tenho uma porção Me infernando o peito. Com isso ninguém nasça. Coração é coisa rara, Coisa que a gente acha E é melhor encher a cara. não sou o silêncio que quer dizer palavras ou bater palmas pras performances do acaso sou um rio de palavras peço um minuto de silêncios pausas valsas calmas penadas e um pouco de esquecimento apenas um e eu posso deixar o espaço e estrelar este teatro que se chama tempo minha mãe dizia — ferve, água! — frita, ovo! — pinga, pia! e tudo obedecia ali só ali se se alice ali se visse quanto alice viu e não disse se ali ali se dissesse quanta palavra veio e não desce ali bem ali dentro da alice só alice com alice ali se parece nada tão comum que não possa chamá-lo meu nada tão meu que não possa dizê-lo nosso nada tão mole que não possa dizê-lo osso nada tão duro que não possa dizer posso parar de escrever bilhetes de felicitações como se eu fosse camões e as ilíadas dos meus dias fossem lusíadas, rosas, vieiras, sermões Bom dia, poetas velhos. Me deixem na boca o gosto de versos mais fortes que não farei. Dia vai vir que os saiba tão bem que vos cite como quem tê-los um tanto feito também, acredite. enxuga aí vê se enxerga essa lágrima eu deixei cair examina examina bem vê se não é água da pedra ouro da mina essa gotadágua minha obra-prima o soneto a crônica o acróstico o medo do esquecimento o vício de achar tudo ótimo e esses dias longos dias feito anos sim pratico todos os gêneros provincianos dia ao primo pássaro foi você que piou pintou ontem pouco antes do sol nascer? ou foi talvez um irmão tia irmã uma voz já tão longe que hoje até parece amanhã? Minha cabeça cortada Joguei na tua janela Noite
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