Esta segunda coletânea de gêneros mistos, recolhida pelo próprio Machado de Assis, foi o primeiro livro publicado após a morte de sua esposa Carolina, e abre-se com o soneto clássico “A Carolina”, que se inclui entre os melhores da língua portuguesa. Dentre os contos, figuram alguns dos mais célebres de Machado, como “Pai contra mãe”, “Suje-se gordo!” e outros.
Relíquias de Casa Velha – Machado de Assis
Relíquias de Casa Velha, de Machado de Assis
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A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo
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NUPILL - Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística
Universidade Federal de Santa Catarina
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Relíquias de Casa Velha
Machado de Assis
ÍNDICE:
1. PAI CONTRA MÃE
6. UMAS FÉRIAS
2. MARIA CORA
7. EVOLUÇÃO
3. MARCHA FÚNEBRE
8. PÍLADES E ORESTES
4. UM CAPITÃO DE VOLUNTÁRIOS
9. ANEDOTA DO CABRIOLET
5. SUJE-SE, GORDO!
10. PÁGINA CRÍTICAS E COMEMORATIVAS
PAI CONTRA MÃE
A ESCRAVIDÃO levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais.
Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha-de-flandres. A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dous para ver, um para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de beber. perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dous pecados extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas. Mas não cuidemos de máscaras.
O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai uma coleira grossa, com a haste grossa também à direita ou à esquerda, até ao alto da cabeça e fechada atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que andasse, mostrava um reincidente, e com pouco era pegado.
Há meio século, os escravos fugiam com freqüência. Eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão.
Sucedia ocasionalmente apanharem pancada, e nem todos gostavam de apanhar pancada. Grande parte era apenas repreendida; havia alguém de casa que servia de padrinho, e o mesmo dono não era mau; além disso, o sentimento da propriedade moderava a ação, porque dinheiro também dói. A fuga repetia-se, entretanto. Casos houve, ainda que raros, em que o escravo de contrabando, apenas comprado no Valongo, deitava a correr, sem conhecer as ruas da cidade. Dos que seguiam para casa, não raro, apenas ladinos, pediam ao senhor que lhes marcasse aluguel, e iam ganhá-lo fora, quitandando.
Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse. Punha anúncios nas folhas públicas, com os sinais do fugido, o nome, a roupa, o defeito físico, se o tinha, o bairro por onde andava e a quantia de gratificação. Quando não vinha a quantia, vinha promessa: "gratificar-se-á generosamente",
-- ou "receberá uma boa gratificação". Muita vez o anúncio trazia em cima ou ao lado uma vinheta, figura de preto, descalço, correndo, vara ao ombro, e na ponta uma trouxa. Protestava-se com todo o rigor da lei contra quem o acoutasse.
Ora, pegar escravos fugidios era um ofício do tempo. Não seria nobre, mas por ser instrumento da força com que se mantêm a lei e a propriedade, trazia esta outra nobreza implícita das ações reivindicadoras.
Ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade de uma achega, a inaptidão para outros trabalhos, o acaso, e alguma vez o