Philip é um menino como tantos outros, apaixonado por sua coleção de selos. O pai é corretor de seguros, a mãe é dona de casa e o irmão mais velho tem dotes precoces de desenhista. Como toda a população do bairro em que vive, a família Roth é judia, e em 1940 parece não haver melhor lugar no mundo para ser judeu do que os Estados Unidos. Porém Franklin D. Roosevelt, ao tentar reeleger-se para um terceiro mandato, é derrotado pelo candidato republicano – Charles Lindbergh. O famoso aviador, que se tornou herói nacional ao empreender o primeiro vôo solitário da América à Europa, é um ardoroso defensor da Alemanha nazista, um homem para quem os Estados Unidos deveriam se defender da diluição nas raças estrangeiras . A vida da família Roth – e, potencialmente, o mundo – nunca mais será como antes.
Complô contra a América – Philip Roth
7
Junho de 1942—outubro de 1942
Os tumultos anti-Winchell
Um dia antes de descobrir que minha coleção de selos estava perdida, fiquei sabendo que meu pai decidira largar o emprego. Minutos depois de eu vir do hospital, na manhã de terça, ele chegou em casa e estacionou o caminhão do tio Monty, com sua carroceria de ripas de madeira, ao lado do carro da sra. Wishnow; tinha terminado sua primeira noite de trabalho no mercado da Miller Street. A partir daí, da noite de segunda até a manhã de sexta, ele chegava em casa às nove ou dez da manhã, tomava um banho, fazia a sua principal refeição, ia se deitar e às onze já estava dormindo; quando eu voltava da escola, tinha de ter o cuidado de não bater a porta dos fundos para não acordá-lo. Pouco antes das cinco da tarde ele se levantava e ia para o serviço, pois por volta das seis ou sete os fazendeiros começavam a chegar no mercado com seus produtos, e a qualquer momento entre as dez da noite e as quatro da manhã os atacadistas iam fazer compras, juntamente com os donos de restaurantes e hotéis e os últimos vendedores ambulantes da cidade, com suas carroças puxadas por cavalos. Meu pai passava a noite à base de uma garrafa térmica de café e dos dois sanduíches que minha mãe preparava para ele levar. Nas manhãs de domingo, ele ia visitar sua mãe na casa do tio Monty, ou então Monty a trazia à nossa casa, e ele passava o resto do domingo dormindo; mais uma vez tínhamos de não fazer barulho para não incomodá-lo. Era uma vida dura, e ainda por cima de vez em quando ele precisava sair bem antes do dia nascer e ir até as fazendas dos condados de Passaic e Union, para buscar os produtos ele próprio, sempre que tio Monty conseguia um abatimento dessa maneira.
Eu sabia que era uma vida dura porque quando meu pai chegava em casa de manhã ele bebia. Normalmente, na nossa casa uma garrafa de bourbon Four Roses durava anos. Minha mãe, uma abstêmia caricatural, nem sequer suportava ver um copo espumante de cerveja, quanto mais sentir cheiro de uísque, e meu pai só bebia no aniversário de casamento e quando o patrão vinha jantar conosco, ocasiões em que ele lhe servia Four Roses com gelo. Mas agora ele chegava em casa do mercado e, antes mesmo de tirar as roupas sujas e tomar uma chuveirada, servia uma dose de uísque puro, virava a cabeça para trás e bebia de um gole só, fazendo uma careta como se tivesse acabado de morder uma lâmpada. “Bom!”, dizia em voz alta. “Bom!” Só então conseguia relaxar o bastante para comer uma refeição completa sem ter indigestão.
O que me deixava perplexo não era apenas o declínio abrupto ocorrido na carreira profissional de meu pai — o caminhão estacionado no beco, as botas de sola grossa usadas por um homem que antes ia para o trabalho de terno, gravata e sapatos pretos engraxados, a cena absurda de meu pai tomando uma dose de bourbon e almoçando sozinho às dez da manhã —, mas também meu irmão, a transformação imprevista que ele sofrera.
Sandy não estava mais zangado. Também não manifestava desprezo. Não agia com ar de superioridade. Era como se também ele tivesse sofrido uma pancada na cabeça, só que nele, em vez de causar amnésia, o golpe tivera o efeito de fazê-lo voltar a ser o menino tranqüilo e consciencioso cuja satisfação provinha não de seu status de celebridade precoce cheia de opiniões discordantes, e sim de uma vida interior que o sustentava da manhã à noite e que, para mim, sempre o tornara realmente superior aos demais meninos de sua idade. Ou talvez sua empolgação com a fama — juntamente com seu gosto pelo conflito — houvesse se esgotado; talvez desde o início ele não tivesse o egoísmo necessário, e no fundo sentisse alívio por não precisar mais ser magnífico em público. Ou talvez jamais tivesse acreditado no que supostamente defendia. Ou talvez, enquanto eu estava inconsciente no hospital, com um hematoma potencialmente fatal, meu pai tivesse tido uma conversa séria com ele que surtira efeito. Ou talvez, após a crise que eu havia precipitado, ele