Após fugir de um passado assustador, um menino chega a uma pacata vila do interior. Lá, é abrigado por um misterioso penhorista, que o emprega como seu auxiliar. Seu trabalho é ouvir e registrar, em um velho volume, os segredos dos moradores do vilarejo; e seu chefe está disposto a pagar muito bem por eles. Mas o que o enigmático homem não sabe é que, nesta cidade assombrada por seus próprios mistérios, quem guarda o segredo mais terrível de todos é o seu assistente..
O Livro Negro dos Segredos – F. E. Higgins
O Livro Negro dos Segredos
F. E. Higgins
Tradução
Domigos Demasi
Para Beatrix
Non mihi, non tibi, sed nobis
[Não para mim, nem para ti, mas para nós]
Uma nota de F. E. Higgins
Eu TOPEI COM O livro negro dos segredos de Joe Zabbidou e as memórias de Ludlow Fitch de uma maneira um tanto curiosa. Estavam fortemente enrolados e escondidos num espaço oco de uma perna de pau. Como a perna veio parar em minhas mãos não é importante no momento. O que importa é a história contada pelos documentos.
Infelizmente, nem O livro negro de Joe nem as memórias de Ludlow sobreviveram intactos aos séculos, e, quando os desenrolei, era óbvio que haviam sofrido danos. As páginas não apenas se mostravam quebradiças e manchadas de água, como grande parte estava ilegível. Os fragmentos e trechos estão reproduzidos aqui exatamente como foram escritos. Corrigi a grafia de Ludlow — era realmente péssima —, porém não fiz nada além disso. Quanto às partes que faltam, o que mais eu poderia fazer senão recorrer à minha imaginação para preencher as lacunas?
Costurei a história da melhor maneira que encontrei. Quero pensar que, com os poucos fatos que tive, me mantive o mais perto possível da verdade. Não tenho a pretensão de me declarar sua autora, sou meramente a pessoa que tentou revelá-la ao mundo.
F. E. Higgins
Inglaterra
Capítulo 1
Fragmento das memórias de Ludlow Fitch
QUANDO ABRI os OLHOS, percebi que nada até aquele momento da minha vida miserável poderia ser tão ruim quanto o que estava para acontecer. Eu estava deitado no solo frio de um porão iluminado por uma única vela, da qual restava não mais do que uma hora de chama. Instrumentos de um tipo médico pendiam de ganchos nas vigas. Manchas negras no chão sugeriam sangue. Foi, porém, a cadeira encostada na parede do lado oposto que confirmou plenamente as minhas suspeitas. Grossas correias de couro atadas aos braços e às pernas estavam ali por apenas um motivo: manter preso um paciente relutante. Ma e Pa estavam me observando de perto.
— Ele tá acordado — exultou Ma animadamente. Pa me arrancou daquela posição e me pôs de pé. Ele me mantinha com um golpe firme, meu braço torcido por trás das costas. Ma me segurava pelos cabelos. Olhei de um para o outro. Seus rostos sorridentes estavam apenas a centímetros do meu. Eu sabia que não devia esperar que eles me salvassem.
Outro homem, até agora escondido nas sombras, deu um passo à frente e me segurou pelo queixo. Forçou-me a abrir a boca e percorreu um dedo escurecido com gosto de podre pelas minhas gengivas.
- Quanto? — perguntou Pa, babando de antecipação.
- Nada mau — disse o homem. — Três pence cada. Talvez doze por todos.
- Fechado — disse Pa. — Afinal, quem precisa de dentes?
- Alguém, espero — retrucou o homem friamente. — Eu vivo da venda deles.
E todos três riram, Ma, Pa e Barton Gumbroot, o notório cirurgião-dentista do Beco do Bode Velho.
Assim que o pagamento pelos meus dentes foi acertado com Barton, eles agiram rapidamente. Juntos, me arrastaram até a cadeira do cirurgião. Esperneei e berrei e cuspi e mordi; não ia facilitar para eles. Eu sabia como Barton Gumbroot ganhava a vida, pilhando os pobres, arrancando seus dentes, pagando centavos por eles e vendendo-os por um valor dez vezes maior. Eu estava atormentado de medo. Não tinha qualquer proteção. Iria sofrer do começo ao fim. Cada pontada de dor sobre o nervo como uma faca.
Eles se aproximaram para executar seu feito cruel. Ma pelejava com uma fivela em volta do meu tornozelo, as mãos tremendo por causa da bebedeira do dia anterior, enquanto Pa tentava me manter sentado. Barton Gumbroot, aquele monstro asqueroso, simplesmente assomava com seu reluzente alicate, abrindo-o e fechando-o com estalidos, abrindo-o e fechando-o, sufocando um riso, e salivando. Até o dia de hoje, acredito que seu maior prazer na vida era infligir dor aos outros. Tanto que ele não conseguiu esperar mais e, antes que eu percebesse, pude sentir o frio metal d